Texto de Frei Sérgio Antônio Görgen

 

Durante décadas o campesinato brasileiro só chamou a atenção das autoridades do Estado quando foi causa e vítima de grandes conflitos.

Graças a formas de luta e ações políticas de novo tipo surgidas no período final da ditadura militar, o Estado viu-se tensionado e obrigado a criar políticas públicas voltadas à realidade do campesinato. De modo especial, a ação do MST, combinando a pressão dos conflitos de baixa e média intensidade, e constantes, com a negociação política com setores do Estado. Este tipo de ação acabou movendo outros sujeitos políticos do campo para formas semelhantes de mobilização social, provocando, como resposta do Estado, um conjunto de políticas públicas (insuficientes e incompletas) .

Estas políticas foram ampliadas e intensificadas no período do Governo Lula. Algumas delas são instrumentos importantes para construção de Políticas de Estado realmente estratégicas, como o Seguro Agrícola, a Assistência Técnica, a Garantia de Preços e da Comercialização de Alimentos e as Compras Governamentais, entre outras. Mas todas enfrentam limites provocados pelo aumento das demandas, pela política de prioridades do Estado (onde os camponeses constam subalternamente). E, principalmente, em consequência das políticas macroeconômicas do Estado capturadas pelos interesses do capital financeiro e do seu braço agroindustrial, o agronegócio.

Dentro deste desenho de ação do Estado Brasileiro, o principal e mais massivo instrumento construído pelo Estado neste período foi o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), basicamente operado como linha de crédito, através do sistema bancário oficial. Embora desde seu início tenha apresentado limites, de modo especial para os setores mais empobrecidos, o PRONAF fez bem ao campesinato, pois ajudou na permanência no campo, no desenvolvimento das forças produtivas, no aumento da produção de alimentos.

Mas o PRONAF apresenta limites insuperáveis e não é mais um instrumento adequado para conjunto de novos desafios que o campesinato apresenta para a sociedade e que a sociedade apresenta ao campesinato, de modo especial:

  1. estabilidade no fornecimento de alimentos variados, baratos e de qualidade;
  2. preservação ambiental para o equilíbrio dos sistemas vitais, especialmente ar limpo, sequestro de carbono, clima equilibrado e fornecimento de água de qualidade;
  3. Para a reprodução social das comunidades camponesas.

O PRONAF é praticamente a única política pública massiva de apoio ao campesinato, porém, longe de alcançar a totalidade da população camponesa. O Seguro Agrícola (Proagro Mais), outra política importante, está vinculada ao Pronaf. O Programa de Aquisição de Alimentos, as Compras Governamentais para formação de estoques e o fornecimento da Merenda Escolar são recentes e beneficiam pequena parte do campesinato. A Assistência Técnica, embora o esforço, alcançou minorias.

Por isto que o Pronaf foi uma espécie de “Elixir de Caju”: remédio para todos os tipos de males. Este é um de seus principais problemas atualmente. O crédito bancário foi utilizado para resolver problemas cuja solução não lhe cabia. Mas era a única disponível… Além do mais, o Pronaf ainda carrega e estimula alguns vícios da revolução verde, especialmente da forma como o sistema bancário opera, tais como o estímulo aos monocultivos, a dependência dos insumos externos e a financeirização da atividade agrícola. Isto o coloca em rota de colisão com a lógica da produção camponesa, pelo menos em três aspectos:

  1. a) a agricultura camponesa é uma forma de economia dinâmica e maleável, com alto uso de insumos próprios, baixa monetização (pouco uso do dinheiro) e o Pronaf é vinculado à lógica bancária, financeirizada e à dependência de insumos externos;
  2. b) uma numerosa massa camponesa inserindo-se na economia e na cidadania e sem poder acessar o Pronaf por causa das restritas normas do sistema financeiro;
  3. c) o endividamento, fruto dos equívocos históricos e da constante diminuição de subsídios (os quais facilitavam o acesso e diminuíam a adimplência). O endividamento bloqueia o acesso a novos créditos, mostrando a inadequação para este tipo de público.

O processo histórico superou o PRONAF como instrumento de universalização das políticas públicas para o campesinato e teimar nele será incorrer num erro grave. Ele continua sendo um instrumento necessário e válido para um setor da agricultura de pequeno e médio porte, capitalizado e inserido no mercado.

O desafio agora é propor e construir e reconstruir Políticas Estratégicas de Estado que visem superar a fome e a miséria, garantir a preservação dinâmica da forma de vida camponesa com suas comunidades e sua cultura, proporcionar o desenvolvimento do campesinato como o principal sujeito social da produção de alimentos saudáveis com preservação ambiental.

É a hora e a vez de um Programa de Produção de Alimento Saudável, com um instrumento de execução de política pública que não negue, mas que vá além do Pronaf.