Interesses externos no pré-sal, espionagem em cabos submarinos instalados na costa brasileira e reativação da quarta frota dos EUA no Atlântico Sul são fatos interligados e devem acender uma luz amarela no Brasil. É o que afirma ao TUTAMÉIA o historiador Luiz Felipe de Alencastro ao dar uma aula sobre a Amazônia Azul, a extensão marítima do território brasileiro (clique no vídeo acima para assistir).
“É preciso controlar a costa, se não a bandidagem internacional vem aqui até para jogar lixo radioativo. Foi o que fizeram na Somália. Lá, o Estado desabou. Pescadores começaram a roubar navios porque os peixes tinham sido mortos por causa do lixo radioativo”, lembra.
E declara: “Ao longo do litoral brasileiro passam uns 15 cabos submarinos de fibra ótica que transportam bilhões. Sobretudo em Natal e Fortaleza eles convergem. Ali que se faz a espionagem. Tem um submarino chamado Jimmy Carter que é especializado. É coisa de James Bond. Grampeiam esses cabos nessa zona onde eles não estão muito no fundo. Passa informação do pré-sal, dos engenheiros da Petrobras, essa nossa conversa aqui. Isso põe no primeiro plano o controle do nosso litoral e da costa atlântica, a maior do mundo”.
Autor do fundamental “O Trato dos Viventes” (Companhia das Letras, 2000), o historiador fala sobre as diversas fases da relação entre o Brasil e África e afirma:
“Temos um novo encontro marcado com a África, com a migração da África para cá. Jovens africanos vão enriquecer de novo a sociedade brasileira com o trabalho e a cultura deles. Hoje somos um país com a maior população afrodescendente fora da África”.
Alencastro, 73, critica os ataques ao ensino de história. Lembra que já no governo Temer a disciplina deixou de ser obrigatória. “É um tremendo disparate. Porque se não se estuda a história do Brasil no Brasil, onde se vai estudar? Na Finlândia? Em todos os países, a história é a medula da cidadania. É ali que se aprende a identidade nacional, a cultura, como suas instituições políticas foram formadas”.


E segue:
“O Estado brasileiro é atacado como se fosse massa de pão, leva pancada todo dia por uma gente ignorante. Eu nunca esquecerei que o ministro Guedes chegou a fazer uma piada que iria vender o Alvorada. É uma piada que ele acha engraçado, mas que eu acho detestável. É preciso lembrar que o Estado brasileiro conseguiu manter a América Portuguesa unida. É uma coisa inédita. Os outros agregados coloniais da América se fragmentaram. Os quatro vice-reinos espanhóis viraram 19 países. A América britânica tem o Canadá, a Jamaica, os EUA, ilhas do Caribe. A América francesa encolheu, venderam. A holandesa também. E a portuguesa é o Brasil. Celso Furtado, que foi meu professor e amigo, dizia que o estado brasileiro é o único nas Américas que foi pensado desde o século 18. Desde 1750, pela burocracia portuguesa, com resultado geopolítico inédito”.
Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Alencastro trata também dos ataques do governo a instituições como o INPE. Diz que as aleivosias partem de pessoas que querem atender apenas aos “interesses do agronegócio burro, que acha que os satélites só controlam queimada. O agronegócio global sabe que o que o INPE é importante para organizar colheitas, aplicar fertilizante etc”.
Ao falar da extrema direita hoje no poder no país, afirma:
“O pais é forte quando tem uma sociedade forte e coesa, independente dos governos, dos falsetes que o governo possa fazer. O país tem trunfos importantes. Não tem separatismo aqui; a língua é nacional. No longo prazo, isso passa. Em um pais que aguentou 350 anos de escravidão, de tráfico de escravizados –de cada 100 pessoas, 83 eram escravizados–, que criou uma identidade nacional, que não se fragmentou na Independência, que encarou ditadura, crise econômica, quebra de governo, moeda desvalorizada, hiperinflação só se pode ser otimista quanto ao longo prazo. Nós não vamos acabar nunca”.