País desindustrializado, com agronegócio e mineração. Uma devastação total –e milícias. É esse o desenho de país para Jair Bolsonaro. “O que ele quer é uma tirania com eleição”, afirma o filósofo Paulo Arantes em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima).
Professor sênior da USP, ele se diz chocado, como todo mundo, com os ataques diários de Bolsonaro:
“É uma estratégia de guerra bem pensada, para deixar as pessoas baratinadas, todo o dia atrás do último escândalo. Não pensam em mais nada; ficam indignados e vendo se alguém vai tomar providencias; se o Supremo vai fazer isso; se o Rodrigo Maia vai fazer aquilo. Enquanto isso, estão destruindo”,
E enfatiza:
“O mais sinistro não são os protagonistas da linha de frente do choque, do ultraje moral e político diário. Mais sinistro são os que os apoiam. Eles não acreditam nessas coisas, são cosmopolitas: são os políticos e os militares. O que é mais sinistro é que isso não é empecilho para tocar a agenda que eles estão tocando. É como se eles tivessem contratado uma tropa de choque para fazer o trabalho sujo, matar comunista, a Marielle, fazer o que for necessário. Para eles tanto faz. O nosso establishment está disposto ao pior. E para um programa que, do ponto de vista econômico, é suicida”.
Isso mesmo. Para Arantes, “as classes proprietárias estão fazendo um suicídio econômico”. E não só:
“Estão cometendo um outro suicídio, que é um erro de cálculo total. Eles acham que Bolsonaro et caterva são uma espécie de fundo de tacho, que você usa como meganha, como guarda pretoriana, como miliciano. Mas não são os políticos que controlam as milícias no Rio; é a milícia que controla os políticos. Bolsonaro é troglodita, mas não é idiota. Um idiota não tem 60 milhões de votos e chega à Presidência da República. Ele tem cálculos estratégicos próprios”.
De acordo com o filósofo, Bolsonaro está em campanha pela reeleição, tirando de cena seus opositores. “Ele sabe que os rivais são Luciano Hulk e Dória”, diz. Ao mesmo tempo, o presidente vai mandando mensagens para o guarda da esquina: “É motosserra, é massacre de sem-terra. Vai acontecendo. E as polícias estão preparadas. A tropa de choque que ele mobiliza está na rua e está indo para cima. Ele não vai largar o osso. Vai engolir os caras que o contrataram para fazer esse serviço sujo. Nós nos encaminhamos para uma espécie de estado miliciano no Brasil”.


Na entrevista ao TUTAMÉIA, Arantes, 77, discorre sobre os militares. “Pela primeira vez temos uma corporação militar, que por definição é nacionalista, que não é mais nacionalista. Sempre foram de direita, anticomunistas e nacionalistas. Agora eles são apenas de direita. É incompreensível. Soberania para eles é apenas do território –e nem isso”.
Lembramos de Alcântara, da Embraer, da Petrobras. Arantes arisca uma hipótese: a de que os militares avaliam que, numa situação de guerra generalizada, seria mais pragmático uma adesão aos EUA, já que a industrialização foi frustrada.
“Voltamos à situação anterior à Primeira Guerra Mundial, sem os impérios”, resume, com um país de economia extrativista. Sem a industrialização que os sustentaria, diz Arantes, os militares teriam chegado à conclusão de que a única forma de sobrevivência é uma associação com os americanos. É pragmático. Isso também é totalmente suicida”.
Arantes trata do panorama global. Fala do esmagamento das classes médias, que está na base de movimentos como o dos coletes amarelos, na França. “O capitalismo bateu no teto”, declara.
Trata das migrações: “Os povos não querem mudar a sociedade; querem ir para outra sociedade, sair da sua e ir para uma outra lá. Essa é a revolução que está mobilizando mais de um bilhão de pessoas no mundo. O movimento migratório é gigantesco. Está provocando uma contrarrevolução que aparece também nessa onda autoritária populista. O capitalismo está fazendo isso e provoca uma contrarrevolução sem que haja uma revolução. É uma contrarrevolução real reacionária mesmo, sem que haja uma revolução. Isso que é o mais terrível”.