“Uma espécie de internacionalização da extrema direita é um dado do nosso tempo. De forma recorrente, há articulações de tendências que aconteciam antes apenas localizadas nos países. Os caras perceberam que teriam muito a ganhar na medida em que eles se internacionalizassem. Duzentos anos depois do Marx e do Engels, eles perceberam que a articulação internacional é importante”.

É o que afirma, desde Montréal (Québec, Canadá), o economista Paulo Kliass ao TUTAMÉIA ao analisar o movimento dos caminhoneiros que paralisa cidades canadenses e gera uma forte reação governamental.

Doutor pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e membro da carreira de especialistas em políticas públicas e gestão governamental, do governo federal, ele descreve a evolução dos protestos, que reúnem uma minoria, à margem das organizações da categoria. Aponta também as conexões dos grupos com os movimentos de extrema direita pelo mundo (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“São caminhões enormes, com lideranças, entre aspas, autônomas, não reconhecidas pelas associações, com um discurso muito beligerante. Ameaçaram um envolvimento da sede do governo. Há uma mistura do movimento negacionista, do antivacina, e esse movimento da extrema direita”, diz.

Ele segue:

“É um movimento de extrema direita que tem muita ligação com o QAnon, que é o movimento de apoio ao Trump. Até agora [há medidas de bloqueio por parte do governo canadense], estavam recebendo doações milionárias vindas dos EUA, principalmente das forças de direita que ficaram decepcionadas com a derrota do Trump, mas que já dizem que estão se preparando para voltar ao poder nas próximas eleições. Nesse movimento, eles já estão apontando para um capitólio canadense, inspirados naquela tentativa da extrema direita de não reconhecer as eleições que tiraram Trump do poder, em que articularam a invasão do Congresso norte-americano”.

Kliass insere a questão canadense no bojo da crise econômica mundial e lembra a importância revigorada das ações do Estado para impor as medidas necessárias no enfrentamento da Covid – pretexto usado pela extrema direita para as mobilizações naquele país.

“Esse pessoal ficou um pouco órfão. Tudo aquilo em que eles acreditavam no sentido do liberalismo veio abaixo. E aí abre espaço para esse discurso que é um pouco anarquista, libertário, liberal, de direita. É uma coisa muito confusa. É o cara que diz: ‘Meus direitos individuais acima de tudo. Eu sou um liberal, mas eu não aceito, por exemplo, os negros’. Aqui no Canadá, não aceitam as populações autóctones”.

Segundo Kliass, o movimento que está na base dos caminhoneiros é extremamente supremacista. “Estão ligados com a coisa que está na origem da Ku Klux Klan, têm a ver com esse movimento Qanon, que está na base do trumpismo”.

Ele observa:

“Que liberalismo é esse que não aceita direito de mulher, que não aceita LGBTI, que não aceita negros, que não aceita índio. Que liberalismo é esse que reivindica a presença do Estado em alguns momentos, quando isso lhes interessa. É uma coisa contraditória. Eles têm muitas contradições internas para tentar chegar a um denominador comum”.