“Eu chamo de bomba-dólar porque eu acho que é um instrumento de guerra. O que está acontecendo não é nada leve; os americanos estão em um processo de guerra, só que de uma maneira extremamente moderna. A bomba- dólar provoca um movimento de desglobalização de um espaço geográfico. É um instrumento para reduzir a capacidade do poder nacional de se tornar agressivo frente aos americanos”.

É o que afirma ao TUTAMÉIA o economista Ernani Teixeira Torres Filho. Doutor em economia pela UFRJ, ele considera a bomba-dólar de uma eficácia absoluta do ponto de vista militar:

“Temos um novo armamento sofisticadíssimo. Não precisa de porta-aviões, bombardeio. Ela é operada por 60 caras no Departamento de Tesouro americano. São contadores, advogados, economistas, alguns de informática. Trabalham basicamente colocando os bancos, as instituições financeiras e as empresas contra a parede. Dizendo assim: ‘Se você faz negócio com eles, você é meu inimigo e eu vou perseguir você’”.

Ele segue:

“Em vez de ser uma coisa militar, é feita uma pressão sobre a reputação e sobre a necessidade que as instituições financeiras têm de operar por dentro do sistema financeiro americano. O sistema financeiro mundial é uma parte do sistema financeiro americano. Ele opera por dentro do sistema americano. Isso dá aos americanos um poder ímpar com relação a qualquer coisa que a gente tenha hoje”.

Nesta entrevista, o professor de pós-graduação em economia política da UFRJ trata das origens da bomba-dólar e dos seus desdobramentos para a geopolítica mundial (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV). “A bomba-dólar é a nova grande arma do século 21, desenvolvida pelos americanos e de exclusividade deles. E agora está sendo usada [contra a Rússia]”.

Sobre a história do armamento, ele conta:

“O uso da moeda como arma de guerra é uma novidade total. Sanção não tem nada de leve. Essa é uma arma que os americanos começaram a desenvolver nos anos 1990, para caçar traficantes de drogas e americanos que estavam fugindo para não pagar imposto”.

“Quando o Bin Laden explodiu as Torres Gêmeas, eles deram uma nova configuração a isso. Legalmente, até então, eles tinham uma dificuldade enorme para acessar as informações das contas. Os banqueiros foram muito ciosos disso; faz parte do negócio deles”.

“Com as Torres Gêmeas, o grande centro de informação do sistema financeiro internacional, que é o Swift, que está em Bruxelas, simplesmente abriu. E hoje os americanos podem acessar o que eles quiserem o tempo todo. Isso mudou radicalmente. E aí eles começaram a aplicar isso contra países. O primeiro foi a Coréia do Norte. Depois, aplicaram isso contra a Venezuela. Contra o Irã, eles aplicaram duas vezes”.

“Se a gente examinar os grandes desenvolvimentos de armamentos desde 1940, as duas grandes revoluções foram a bomba atômica e, depois, o Sputnik [primeiro satélite, lançado pela URSS em 1957]. Rapidamente, por espionagem, dinheiro, físico, engenheiro, a bomba atômica os russos já tinham quatro anos depois; e poucos anos depois, também os americanos já dominavam a tecnologia [do satélite]”.

“No caso do Irã, o impacto [das sanções] sobre o PIB nos primeiros 18 meses é da ordem de 30%. A taxa de câmbio desvalorizou 100%. A inflação subiu de 10% para 50% ao ano. Isso provoca uma desorganização nos mercados. Os países são obrigados –como os russos acabaram de fazer—a adotar controle de capital. Eles têm que entrar num processo de economia de guerra”.

“Essa arma é exclusiva dos americanos. Ninguém tem condições de replicar o poder que a globalização financeira, na prática, atribuiu aos americanos com o uso de sua moeda”.

“Essa é uma particularidade do sistema global. A integração do mundo pela globalização empoderou os americanos nessa dimensão. Agora, o mercado está olhando mais o susto da Rússia. Mas, se tivessem olhado com mais carinho o que aconteceu no Irã, muitas das coisas que estão dando susto eles já teriam condições de prever”.

“No caso da Rússia –mais do que no caso do Irã– os americanos estavam preparados para isso há algum tempo. A invasão da Ucrânia foi uma desculpa, digamos, ou uma oportunidade de utilizar isso contra os russos. Porque é diferente dos anos 1990, 2000, quando a globalização era vista como um processo benigno para os americanos. Há uns 10 anos, os americanos estão de saco cheio com a globalização, e o processo está reduzindo a capacidade deles de poder”.

“Então a ação que eles estão promovendo contra a Rússia é uma ação que vai transcender a guerra. Se, por acaso fizerem a paz amanhã, eles vão continuar aplicando a bomba sobre os russos. É instrumento que não é para derrubar ninguém. É um instrumento para reduzir a capacidade do poder nacional de se tornar agressivo frente aos americanos”.