“Nossa democracia sempre esteve muito mal no âmbito da comunicação. Muito mal. E continua muito mal. Acho que essa eleição vai ter todo o tipo de abuso de comunicação, seja em uso de fake News, de serviços de whats app pagos por fora, caixa 2, vai ter todo o tipo de baixaria que você possa imaginar –milicia controlando eleitorado…”

A avaliação é do cientista político João Feres Júnior, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Manchetômetro, site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública.

Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, ele analisa a ideologia e o comportamento da grande mídia brasileira, cita as pesquisas do manchetômetro que demonstra o enviesamento da cobertura realizadas pelos principais jornais e emissoras de TV no país e aponta o desastre que isso representa para os brasileiros, para o país e para a democracia.

O maior deles, mais recente, afirma, foi a própria eleição de Bolsonaro:

“Com a retórica da equivalência –‘Bolsonaro e Haddad significam ameaças equivalente à democracia, lavamos as nossas mãos, vocês votem em quem quiserem”–, acabaram referendando a eleição do Bolsonaro. Não só referendaram como criaram as condições para a eleição do Bolsonaro. Pesquisas de opinião e pesquisas qualitativas que eu venho fazendo mostram que o que deu a vitória a Bolsonaro foi a antipolítica, o desespero, o ceticismo enorme em relação à política, a rejeição mesmo –tudo isso foi criado pela mídia. Tudo isso foi criado pela redução da política à escandalização da corrupção, que foi jogada no colo do PT.”

MÍDIA AGE COMO FACÇÃO POLÍTICA

Trata-se de uma ação coordenada, aponta o professor (confira no vídeo acima a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV):

“Se você pega a cobertura do PT, Lula , Dilma, você vê que às vezes eles publicam manchetes quase idênticas, às vezes até com a mesma foto, com seleção de artigos de temas muito parecidos. Acho que existe uma certa inspiração mútua por parte desses meios, uma compreensão de que eles ocupam um lugar dentro do sistema político brasileiro e que eles ganham mais se agirem de uma maneira mais concertada.  Eles estão todos num mesmo campo ideológico, empresas cujos donos são apoiadores de longa data de um projeto neoliberal, liberal de estado brasileiro, que tem muito pouca solidariedade com os pobres, os assalariados, o trabalho e, portanto, pela esquerda. E defende e divulga essa doutrina do estado mínimo como se isso fosse a solução para o Brasil. Infelizmente o Brasil tem elites muito pouco esclarecidas, muito pouco nacionalistas.”

E segue:

“Toda a mídia mainstream é assim. Para além de uma combinação, existe uma grande afinidade. Eles se comportam como um agente político, sim, com propósito muito específico, de produzir efeitos políticos, manipular eleições, manipular políticas públicas a seu favor, com fins que são altamente deletérios para o bem-estar, para o bem público, para o bem coletivo. Têm um comportamento de facção política.”

MANIPULAÇÃO DAS ELEIÇÕES

Feres Jr. comenta ainda sobre o impacto disso no processo eleitoral, na própria democracia:

“A grande mídia brasileira é um conjunto de quatro ou cinco empresas que agem livremente fazendo campanha. Elas violam na verdade a regra da contribuição empresarial. Elas fazem a comunicação diretamente, de uma maneira pior, mais insidiosa, porque passam como fato, como verdade, como seriedade editorial, tudo isso… Não é propaganda eleitoral, mas é totalmente propaganda eleitoral, como nós, do Manchetômetro, mostramos reiteradamente, eleição após eleição. Mil e seiscentos artigos sobre o escândalo do PT em 2014, contra 80 do PSDB!”

Há saída, afirma o cientista político:

“Nossa esperança é eleger um governo melhor do que esse que está aí, tentar sair desse buraco um pouco. Mas gostaria de chamar a atenção: sem pensar a questão da comunicação, não vai dar.”