“Estávamos em assembleia quando aparece a Polícia Militar para fechar o Calabouço. Tentam invadir. Nós resistimos com cadeiras, bandejas. Eles recuam, mas em seguida têm ordem de vir para fechar. Nesse avanço deles, entram jogando bomba de gás e atirando. Um desses tiros pega o coração do Edson. Quando eles veem que um estudante tinha caído, recuam. Mas recebem uma contraordem para resgatar o corpo. Aí eles não conseguem. Eu carrego o corpo do Edson e saímos em passeata até a Assembleia Legislativa. Passamos em frente ao consulado americano e jogamos pedras. Quando chegamos na Cinelândia, já estava lotado. Daí ocupamos a Assembleia”.

Relato do militante Geraldo Jorge Sardinha ao TUTAMÉIA ao relembrar o assassinato do estudante Edson Luiz Lima Souto em 28 de março de 1968, no rio de Janeiro. Exatos 55 anos depois, ele dá detalhes sobre a mobilização estudantil contra a ditadura militar, fala das ações violentas da repressão e dos desdobramentos do movimento. “A passeata dos 100 mil foi uma continuidade do enterro do Edson Luiz”, diz (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

O Calabouço era um local no centro do Rio onde estudantes pobres tinham aulas e faziam refeições. Muitos vinham de outros Estados. Edson Luiz era do Pará. Sardinha, da Bahia. Foi Getúlio Vargas que criou o espaço, passou por várias mudanças. Acabou sendo destruído, apesar da resistência estudantil, e reconstruído em outro lugar. Nesse processo, se transformou num polo de ação contra a ditadura promovendo passeatas, protestos.

Sardinha foi uma das lideranças daquele movimento. Vindo de Olho D’Água do Carrasco (BA), trabalhou no Rio como estivador, operário. Chegou ao Calabouço para estudar e comer, como a maioria dos jovens que aportavam por lá.

“O Edson Luiz era um garoto de 17 anos. Apareceu no Calabouço como muitos companheiros pobres que iam lá. Como eu fui pela primeira vez, mais para comer do que para estudar. Ele frequentava o Calabouço, assistia aula, ajudava, recortava jornal, colocava cartazes. Foi aos poucos se integrando à vida do calabouço. Ele não era um militante ligado a grupos. Ele era um militante popular, participava de passeatas”, conta Sardinha, autor de “Calabouço, Rebelião dos Estudantes Contra a Ditadura civil-militar em 1968”.

Ao TUTAMÉIA, o militante relembra as tensões daquele dia, como a luta para que o corpo de Edson Luiz não deixasse o velório para a realização da autópsia. Nesse embate, discutiu com o advogado Sobral Pinto, enviado do governo do Estado. O corpo acabou não saindo da guarda dos estudantes, que tomaram também a decisão sobre o enterro do colega.

“Passamos a noite toda, de quinta para sexta no velório. Na sexta, houve um consenso entre os estudantes sobe onde enterrar o Edson: ‘Vamos enterrar no cemitério das elites, da oligarquia carioca, que é o São João Batista’, dissemos. Da Cinelândia ao São João Batista é uma boa caminhada. Foi uma manifestação. Um dos artistas que mais contribuíram com a manifestação no sentido de infraestrutura, som, convocação dos artistas foi o Chico Buarque. Quando fomos enterrar o Edson, resolveram apagar a luz do cemitério”.