“Há trinta anos, desde que cheguei nesta cidade, que eu luto por moradia digna. A nossa luta consiste em ocupar prédios vazios, abandonados, cheios de lixo, e transformar esses prédios em moradias decentes. Exemplos disso são a Ocupação Nove de Julho e o Antigo Hotel Cambridge, que são referências no mundo inteiro. Nós queremos replicar esses projetos para outros locais. O que nós queremos não é o prédio, não é pegar nada de ninguém. A gente só quer, simplesmente, fazer uma gestão –compartilhada, inclusive, com o próprio poder público e com as famílias, para que a gente possa ter uma moradia digna e decente. Porque tudo permeia pela moradia. A moradia, gente, é a porta de entrada de todos os outros direitos.”

Assim fala Carmen Silva, dirigente do Movimento Sem Teto do Centro e candidata a vereadora na cidade de São Paulo, que conversa com TUTAMÉIA sobre sua trajetória, seus planos e projetos. A entrevista faz parte de série em que conversamos com concorrentes à Câmara que conhecemos e cuja trajetória política temos acompanhado nos últimos anos. O projeto se chama “Cinco Perguntas para Cinco Candidatos”, e dele já participaram o líder sindical Edson Carneiro Índio e os vereadores Juliana Cardoso e Antonio Donato. Vamos ouvir ainda Eduardo Suplicy.

Ativista pelo direito à cidade, com participação em diversos conselhos de habitação e administração, tanto no âmbito municipal quanto no estadual, Carmen Silva fala um pouco de sua história e do que pretende na Câmara:

“Há 30 anos estou na cidade de São Paulo lutando por moradia digna, que é aquela de todos os acessos –às oportunidades, ao trabalho, à educação, à saúde. Como líder de movimento de luta por moradia, já consegui colocar mais de três mil pessoas em suas moradias definitivas. Agora mesmo estamos com uma obra, em plena avenida Nove de Julho, que é o antigo hotel Cambridge, que hoje está sendo reformado. Como líder de movimento eu já efetivo tudo isso, imagina se eu estiver dentro do Legislativo!”

Ela continua: “Temos de pensar numa cidade justa e inclusiva. Não dá mais para São Paulo ter tantos problemas, com uma desigualdade tão grande. Claro que, como vereadora, nós não podemos fazer tudo, mas nós podemos dialogar, nós podemos, dentro do Legislativo, compactuar uma cidade justa”.

Há muitos problemas a enfrentar, diz a dirigente popular, destacando a situação dos mais vulneráveis: “Em São Paulo, temos inúmeras famílias que, mesmo morando em bairros não tão periféricos, vivem em situação precária. Estamos vendo aí a questão da chuva: em São Paulo, não pode chover. Choveu, a gente tem o caos. Então, em vez de gastar dinheiro público em obras tão desnecessárias, como foi a reforma do vale do Anhangabaú, nós poderíamos ter tirado várias famílias da beira do córrego”.

Pela sua experiência, avalia que um dos piores dramas na cidade são os despejos: “É tão perversa lógica do despejo, que nós estamos em plena pandemia, com todas as recomendações de ficar em casa, e nós temos para mais de seis mil famílias com ordem de despejo na cidade de São Paulo. Então a necessidade de moradia é urgente, é gritante. Se a pessoa tem moradia, ela vive digna. Não a moradia em glebas separadas, longe dos equipamentos públicos. Não adianta construir casas tão distante quando nós temos uma cidade pronta. Temos de aproveitar os vários terrenos vazios nos bairros periféricos, para que se construa moradia, mas que se construa também a escola, o posto de saúde e se ofereça as condições de mobilidade. E não é apenas o transporte, a mobilidade é ter ruas em que as pessoas possam andar, trabalhar, ter os equipamentos públicos junto com sua moradia”.

Perguntamos a ela, como fizemos com todos os outros entrevistados, quem iria ganhar e quem iria perder com seu mandato. Deu uma gargalhada e disse: “Quem vai ganhar com o meu mandato, óbvio, são os mais vulneráveis. Quem vai perder são aqueles que quiserem vir me subornar, ou vir dizer ‘tamo junto, você vai fazer isso para mim…’, esses vão perder muito, porque eu não tenho medo de denunciar, eu não tenho medo de dizer não a quem tem de ser dito não. Esse irá perder comigo. Agora quem vai ganhar é todo aquele que quiser trabalhar numa relação de transparência, numa relação de fazer o bem, esses vão ganhar, e a cidade de São Paulo também. O mandato de um vereador é para a cidade de São Paulo. Não pensem que, porque sou líder de um movimento de moradia que eu só vou trabalhar a moradia. Como eu disse, a moradia é a porta de entrada para todos os outros direitos. Temos de ter um olhar fraterno para São Paulo, um olhar para mães e mulher de presos. A mãe e a mulher não são culpadas por quem cometeu o crime. Não sou a favor de crime, mas temos de ver como se sentem a mulher, a mãe de um preso. Eu sei a dor de ver meus filhos presos –e sem terem cometido crime! Imagina quantas mães como eu estão aí, sem ter nenhum suporte”.

E seguiu: “Temos de garantir trabalho para esse povo. Existe tanto jeito de se incluir, de se educar, por que trabalhar com a questão de somente amedrontar, de somente oprimir? Vamos trabalhar com a questão da educação também. A juventude precisa ser educada. A nossa juventude precisa ter um outro olhar. Temos de criar postos para os jovens que estão aí, na idade de terem seu primeiro emprego. E ele pode dar uma devolutiva, ajudar na sua comunidade. Precisamos trabalhar com a perspectiva de que todos merecem ter uma oportunidade”.

Destaca que cada conquista surge da luta: “Nós temos de efetivar também a cultura do direito. A gente sabe que tem direitos, mas a gente fica só esperando. Não! O direito tem de ter ação. Se nós, dos movimentos por moradia, não tivéssemos dito que há necessidade de se implementar políticas massivas no âmbito das políticas públicas gerais –da mobilidade, da cultura, da saúde, da moradia, da educação, ninguém nem saberia que nós temos essa falta”.

“A cidade de São Paulo é uma das maiores do mundo, mas é gritante a desigualdade social em São Paulo. Nós temos de morar próximo do trabalho, próximo da biblioteca, próximo da creche, da faculdade, da saúde, do lazer. É isso que nós queremos e é isso que é a minha experiência de luta pelo direito à cidade. O direito à cidade é coletivo, ele não pode ser somente para uma fatia da população, tem de ser para todos”, conclui Carmen Silva.