A crise que eclodiu nos mercados mundiais em 9 de março de 2020 “talvez seja pior do que a de 2008. Isso porque seu cenário de partida é muito pior”. O Brasil será afetado e está com menos margem de manobra para atuar por causa das políticas neoliberais agudas de Bolsonaro. A avaliação é de Leda Paulani, professora de economia da USP,  em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima).
Em 2008, explica ela, a saída dos governos para enfrentar a turbulência foi inundar de liquidez os mercados e baixar as taxas de juros. Agora, “o mercado já está inundado de liquidez. A base monetária dos EUA cresceu em seis anos, no pós 2008/2009, o mesmo que ela tinha levado 35 anos para crescer”, observa. O que aconteceu foi que essa liquidez ficou “empoçada no mundo da riqueza financeira”, ampliando as desigualdades.
“As taxas já estão super baixas e tem uma liquidez brutal. Qual vai ser o remédio? Fora isso, há uma tensão geopolítica muito maior hoje do que há onze anos. Há tensão entre China e os EUA, entre a Rússia e os EUA. Cresceram os nacionalismos. Tem o corona virus. O cenário é mais complexo e mais complicado para se pensar em retomada. Em 2008 havia bolhas. Hoje, o espaço para a política monetária atuar é bem menor”, analisa.
Para o Brasil, quais são os impactos? O ministro Paulo Guedes afirmou que estava sereno sobre toda essa situação global.
“Se eu não entendesse absolutamente nada de economia eu estaria serena. Ninguém pode estar sereno com um quadro desse”, afirma Paulani. Ela rechaça a fala oficial de saída pelas tais “reformas”. “É o conto da carochinha”.
Para ela, a crise global vai afetar o Brasil diretamente. “Temos menos margem de manobra para agir porque as reservas estão se esvaindo, os investimentos estão indo embora. E estão destruindo as instituições todas, os instrumentos, o BNDES. Tudo aquilo que foi construído ao longo de décadas e que deu algumas possibilidades de manejo da política econômica e de um projeto nacional está sendo destruído. Estamos destruindo as nossas instituições, os recursos naturais. A posição desse governo sobre o ambiente vem afastando compradores e investidores”.
A economista descreve didaticamente, ao TUTAMÉIA, as razões que levaram os mercados a desabar. “Ocorreu a tempestade perfeita”, diz. Com o pano de fundo da crise estrutural do capitalismo iniciada nos anos 1970, se somam as consequências do colapso de 2008, a letargia mundial, o corona vírus e a gota d’água foi a queda abrupta dos preços do petróleo. Assim, os mercados globais desmoronaram no dia 9 de março de 2020, gerando pânico e incerteza.
Para ela,  a economia mundial nunca se recuperou de fato da crise de 2008, com exceção dos EUA. O PIB japonês, destaca, está caindo 7%. Há uma letargia da economia mundial, com as taxas de juros muito baixas ou negativas em quase todas as economias do mundo.
O corona vírus, de letalidade moderada mas altamente contagioso, está impondo quarentenas e fechamento de fábricas, interrupção de atividades, eventos, cancelamento de viagens. A parada de indústrias na China tem efeito enorme sobre a economia do planeta.
“As exportações chinesas no primeiro bimestre já caíram 17% em relação ao ano anterior. Isso mostra como devem estar complicadas as cadeias produtivas mundo afora. A China não exporta só panelas; são componentes, peças, insumos para o mundo todo, o que geral produção, renda, emprego”. O efeito global é a “quebra das cadeias produtivas”, afirma Paulani.
Um dado para dimensionar o problema: “A China deve ter queda na importação de petróleo de 20% neste ano. É como se Itália e Reino Unido, juntos, deixassem de importar petróleo”.


A economista lembra os efeitos desse quadro para o mercado de petróleo, sempre envolto em questões geopolíticas. “A produção está aumentando e a demanda está caindo uma barbaridade”.
Emenda com as consequências para as empresas de gás de xisto nos EUA, que estão muito endividadas, e avalia os prejuízos de toda essa situação para os EUA _e os impactos disso na corrida presidencial norte-americana. “É ruim para Trump; a economia norte-americana vai sofrer um baque”.
Nessa “crise muito feita, em que todo mundo está sendo colocado em xeque”, Leda diz que é preciso estar atento às “possibilidades e janelas que se abrem”. “A esquerda mundial tem muitas ideias surgindo. É preciso ver as condições políticas para implantar essas ideias, pois interesses materiais serão fortemente contrariados”.
“Temos um cenário distópico, muito triste, com catástrofe ambiental, catástrofe social, catástrofe política. Mas a gente está na luta. A gente não vive sem lutar. Possibilidades podem surgir e não se pode desistir nunca de lutar. O sentido da vida é a gente lutar para que o mundo seja melhor, mais justo, com menos injustiça e menos barbarismo menos discriminação”.