Bolsonaro se enfraqueceu, o antipetismo arrefeceu e o lulismo está vivo. É o que afirma o cientista político André Singer ao TUTAMÉIA ao comentar as eleições municipais e a conjuntura nacional. Na sua visão, Guilherme Boulos tem chance de vitória em São Paulo, e “o PT deveria liderar o processo de construção de uma frente de esquerda no país”.

Nesta entrevista (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), ele avalia os impactos dos protestos antirracistas no Brasil, assim como os efeitos da onda democrática que se forma no continente com a derrota de Donald Trump e os avanços ocorridos na Bolívia, no Chile, na Argentina. “O governo Bolsonaro precisa ser interrompido, tal como foi o de Trump, em benefício da humanidade, da sociedade brasileira, da nação brasileira. Parte da sociedade está percebendo que estamos caminhando para o abismo e quer parar esse processo regressivo acelerado. É preciso construir uma frente para 2022 que seja capaz de derrotar essa alternativa pior [a extrema direita]. Temos que entender o risco e a centralidade que essas alternativas com Trump e Bolsonaro representam”.

Ao examinar os movimentos nessas eleições municipais, ele diz:

“Naturalmente cada partido tem o seu interesse. O fim das coligações proporcionais atrapalha. Cada partido é estimulado a lançar candidatos para fazer vereadores etc. Mas o problema é que, do ponto de vista dos interesses da sociedade, essa frente é muito necessária. Aí você tem uma contradição. De um lado, o interesse de cada partido, que é se afirmar, fazer os seus vereadores, a sua bancada. o que é compreensível e legítimo, senão a gente demoniza a política. E, por outro lado, o interesse do conjunto da sociedade, que é ter uma frente progressista que consiga brecar essa onda antidemocrática. E depois, ou juntamente se possível, atacar esses problemas estruturais [desigualdade, racismo] que resultam em casos brutais como esse de Porto Alegre [assassinato de João Alberto no Carrefour]. O PT deveria, como principal partido do campo popular, liderar esse processo. Esse processo vem vindo, mas está muito lento”.

Para o cientista político, a ascensão de Guilherme Boulos é uma novidade nesse quadro e expressa um esforço de anos. Singer lembra que o líder do MTST apostou numa política de atuação conjunta das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, que reúnem múltiplas organizações do campo popular.

“O que está acontecendo agora é o resultado de um longo investimento, que vem de 2015, quando a crise política começou e esses setores perceberam a necessidade de se unirem. Então, são ótimas as notícias [de ampliação de apoios] em relação a Guilherme Boulos. Ele é uma liderança jovem, um sinal de renovação positiva no sentido da sua combatividade, da sua clareza programática. Mas, ao mesmo tempo, no sentido de uma compreensão democrática da necessidade de construir maiorias Boulos tem demonstrado isso ao longo dos anos. Por exemplo, no episódio da prisão do ex-presidente Lula. Boulos não é petista, não é lulista, mas foi responsável pela principal mobilização naqueles dias que precederam a prisão. Mostrando a compreensão clara de que havia um campo popular no Brasil e que ele precisava estar lá. Mostrando uma compreensão estrutural de como funciona a política no Brasil. Ele tem chance. Ao lado da clareza programática, tem demonstrado muita flexibilidade. Ele não vai ganhar a eleição em São Paulo se não conversar com eleitores de centro. Ele é uma novidade bastante positiva. A esquerda está atrasada, o campo popular está atrasado nesse processo no qual estamos há cinco anos e ainda não chegou a essa frente. É preciso saudar esse passo que está acontecendo agora”.

Também jornalista, Singer foi secretário de imprensa do Planalto e porta voz no primeiro governo Lula. Professor da USP, ele aponta a escalada autoritária do atual governo, embora ressalte que as eleições foram livres. “Não estivemos longe de um golpe de Estado. Na hora mais grave da ofensiva bolsonarista [em meados do primeiro semestre], quem segurou as pontas foi o STF, não o Congresso Nacional. Agora, Bolsonaro tem investido numa recomposição com o STF”, afirma.

Nesta entrevista, ele trata das articulações da direita, de Bolsonaro, dos desafios para a esquerda, de Ciro Gomes, de Luciano Hulk. Autor de “Os Sentidos do Lulismo”, de “As Contradições do Lulismo” e de “O Lulismo em Crise”, Singer, que cunhou o termo “lulismo”, declara:

“O lulismo está vivo. Passou por um momento arriscado. Porque neste ano o auxílio emergencial mexeu com bases lulistas no sentido de um apoio a Bolsonaro. Não me parece que tenha ido muito adiante. Nas eleições municipais, o PT não se saiu muito bem, mas também não se saiu muito mal. Continua sendo um grande partido, e o fenômeno do antipetismo está arrefecendo lentamente”, diz. O problema, ressalta, é que Lula está judicialmente impedido de concorrer e não se sabe se essa condição será revertida, questão crucial para a análise do futuro político do Brasil.

“Ele tem se mostrado muito ativo, com capacidade de disputar uma eleição e governar o Brasil. Muita coisa vai depender de ele poder ser candidato. O que me parece mais racional e mais proveitoso para o conjunto da sociedade é que ele e o PT liderassem a construção de uma frente, de uma coisa séria, que seria uma grande novidade no Brasil e que é muito difícil pelas tradições no país. Há um avanço da extrema direita do mundo e seria muito importante constituir uma frente para barrar isso. Nos EUA ela foi constituída”.