“A sociedade porto-alegrense tem que entender o papel dos vereadores [da bancada negra] não é simplesmente colorir a Câmara de Vereadores ou lutar pelo feriado [da Consciência Negra] ou por políticas públicas. A gente tem um compromisso muito maior, ancestral inclusive. É resolver os problemas da segregação urbana, da especulação imobiliária, do setor financeiro. São esses os grandes causadores da nossa miséria. O que a gente tem é um sistema opressor que utiliza da raça, da nossa origem para nos discriminar explorar, violar”.

Palavras de Karen Santos, vereadora mais votada em Porto Alegre (15.702 votos). Filiada ao Psol, aos 32 anos ela integra a recém eleita e inédita bancada negra na cidade, da qual fazem parte Daiana Santos, 36 (PCdoB), Lauta Sito, 28 (PT), Bruna Rodrigues, 33 (PCdoB) e Matheus Gomes, 29 (Psol). Somados, eles conquistaram mais de 40 mil votos. Professora de educação física, Karen fala ao TUTAMÉIA sobre o impacto e os desdobramentos do assassinato de João Alberto Freitas, no Carrefour na zona norte da capital gaúcha. Trata de genocídio, de necropolítica e do racismo institucional (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Conta que ficou desesperada vendo o vídeo do assassinato e salienta o fato de a cena ter sido gravada por muitos que não intervieram para ajudar a vítima. Agora, condena os que vasculham a trajetória de João Alberto. “Nada justifica ele ter sido julgado, executado e linchado. As pessoas se apropriaram da história do João Alberto e já estão utilizando vários mecanismos para tentar amenizar tudo aquilo que aconteceu. A ofensiva está sendo muito grande”, diz.

Karen afirma que a violência contra negros ocorre em outras redes de supermercado e em lojas diversas. “Nosso problema com as multinacionais é gigante. É preciso penalizar as empresas e reverter recursos para um fundo. Ter um compromisso pela taxação, pela penalização. Boicote é resposta imediata. É preciso penalizar e criminalizar o racismo institucional e no bolso dessas empresas. Enquanto não mexer, fica difícil”, defende.

Eleita como suplente na eleição de 2016, ela assumiu a vaga na Câmara de Vereadores quando Fernanda Melchionna (Psol) foi para a Câmara Federal. Nesta entrevista, Karen trata de sua trajetória política –iniciada nos protestos de 2013–, da situação dramática do país, dos desafios para a esquerda. E das estruturas do racismo brasileiro, fixadas na “intolerância, no ódio religioso, no encarceramento em massa, na juventude sendo assassinada por essa guerra às drogas e na falta de emprego”. É preciso, ressalta, dar oportunidades. “Não basta dar curso. Sem emprego, não adianta ter cotas nas universidades. O formado vai trabalhar em aplicativos, vai virar motoboy ou atendente de telemarketing”.

Daí a necessidade, diz, de debater um projeto de nação. “O projeto de nação que está sendo orquestrado por homens brancos, herdeiros engravatados está levando a humanidade para o buraco. Quem sabe as visões dos povos que foram historicamente segregados e marginalizados, onde os valores coletivos e solidários, que tratam da ancestralidade, podem nos ajudar a pensar o nosso país? Esse que está colocado para nós não está mais servindo”.

Karen fala das respostas dos movimentos sociais e do combate ao bolsonarismo. “O povo ainda acuado e recuado. A revolta se acumula para uma discussão mais estratégica de poder. É esse o compromisso que nós da esquerda precisamos reconstituir com o nosso povo, que é batalhador e se coloca na briga pelos seus direitos”.