Era sábado de Carnaval e a família foi à praia do Leme, no Rio. Estavam todos muito alegres. “Nunca imaginei que ali fosse uma despedida”, lembra Rosalina Santa Cruz ao falar ao TUTAMÉIA de seu irmão Fernando Santa Cruz. Estudante de direito, ele bateu ponto no trabalho até a sexta. Naquele 23 de fevereiro de 1974 o jovem pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da OAB, desapareceu. Foi assassinado pela ditadura militar.

“Fernando foi levado a um campo de extermínio”, afirma Rosalina. Conforme o relato do delegado Cláudio Guerra, o corpo de Fernando foi incinerado na caldeira de uma usina em Campos (RJ). O proprietário do lugar cedia suas instalações em troca de financiamento. “Nem as cinzas sobraram”, fala a irmã. Documentos das Forças Armadas confirmaram a prisão, e a União reconheceu sua responsabilidade na morte de Fernando.

Por tudo isso, quando Jair Bolsonaro ataca a memória de Fernando, Rosalina declara:
“São mentiras. É absurdo Bolsonaro ele dizer que Fernando não foi preso. Ele é incapaz de provar. Precisa esclarecer o que está dizendo. É uma irresponsabilidade o presidente da República fazer uma entrevista numa barbearia, à tarde, falando essas barbaridades, tendo uma postura que o Hitler teve, numa barbearia também”.

E segue:
“Ficamos indignados, porque somos uma família que lutou muito para que o caso de Fernando fosse esclarecido. Temos muito orgulho da nossa participação, da nossa vida política. Somos pessoas do bem. Que está tentando nos atingir não é. Bolsonaro é um indivíduo que enaltece a tortura, um crime contra a humanidade. É um indivíduo do ódio, do mal. Fico indignada que ele, para atingir o Felipe, um opositor político dele ele, seja capaz de recorrer a uma prisão de um jovem reconhecidamente feita pelo Estado, uma vítima de uma violência de estado. O próprio Estado nos pediu desculpas, nos deu anistia, mostrando que o que fazíamos não era um crime, mas um ato de defesa, de justiça, de querermos uma sociedade livre e democrática, que é coisa que ele não quer”.

Rosalina em sua casa, em São Paulo, com as bonecas que confecciona com materiais reciclados

Para Rosalina, “deveria ser feito o impeachment. Esse senhor não tem condições de ser presidente do Brasil. É ódio, figura absurda, que só nos dá vergonha. Até o pessoal que voltou nele deve achar que essa é uma posição muito pouco justa. Houve uma repercussão muito negativa para ele. Ele não tem discernimento”.

Na avaliação de Rosalina, é preciso “exigir que Bolsonaro ele se retrate”. Segundo ela, “a política no Brasil está no caminho de retrocessos enormes. O povo brasileiro vai cair em si, ver que foi vítima de uma manipulação política. É insustentável essa situação. O país está indo água abaixo. Acham que podem fazer tudo. Todos os ditadores do mundo não conseguiram se manter, um dia a casa cai”.

Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, ela fala do contexto histórico das lutas contra a ditadura militar, lembra da luta da família pela memória de Fernando e deixa um recado: “A única coisa que vale a pena de a gente estar vivo é a gente ser solidário”.