O poder do dinheiro está provocando uma bagunça mundial. O modelo capitalista de hoje enriquece muito os que já são muito ricos e, lá em baixo, as pessoas continuam num buraco, apenas assistindo à propaganda da riqueza. “Isso gera insegurança nas pessoas. A insegurança se transforma muito facilmente em medo e em ódio. O sistema afunda o andar de baixo, e ele volta pelo ódio, pelo medo, pela insegurança. A prosperidade e a democracia no período pós-guerra estão desandando”.
É a análise de Ladislau Dowbor em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). Professor de economia da PUC-SP, ele tem 40 livros publicados, foi consultor de diversas agências da ONU e de governos de países e cidades; em São Paulo, foi secretário da então prefeita Luíza Erundina.
Segundo ele, o que existe hoje é um sistema global sem regulação que desvia o dinheiro de aplicações produtivas que geram desenvolvimento. “Estamos enfrentando um desastre em câmara lenta. É geral. A desigualdade, a violência, os massacres, as guerras. Estamos perdendo as rédeas sobre o processo. Tivemos um capitalismo com muitas empresas concorrendo entre si. Tinha fronteiras, bancos centrais, controle de capitais, os países tinham suas moedas. Hoje temos uma bagunça mundial, e não temos governo mundial. O poder passa a adotar as leis que reforçam ainda mais os privilégios. É o que estamos vendo no Brasil”,
Dowbor, 78, traça esse panorama para explicar a ascensão da extrema direita no mundo, que explora esses sentimentos.  Fala da articulação internacional do sistema financeiro, muito intensificada a partir da crise global de 2008. “Isso desequilibra os processos de poder nacional. Voltamos ao desequilíbrio entre o poder mundial, sem regulação e sem eleições, simplesmente o poder do dinheiro, e os poderes nacionais _que têm eleições, mas não têm dinheiro e não têm poder”.

É exatamente esse o tema de seu mais recente livro, “A Era do Capital Improdutivo” (Outras Palavras/Autonomia Literária), que tem como subtítulo “a nova arquitetura do poder, sob dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta”.  O livro está disponível para download gratuito no site do professor, dowbor.org , onde também fica sua produção de artigos e vídeos didáticos.

Na entrevista, Dowbor lembra ainda as redes de pensadores de direita, financiadas pelas petroleiras e por bilionários como os irmãos Koch, que tratam difundir ideias retrógradas em relação a costumes e atacar evidências das mudanças climáticas. Trata de paraísos fiscais –que concentram ao menos 20 trilhões de dólares –“200 vezes o que chefes de Estado do planeta levaram anos para chegar para combater as mudanças climáticas”, observa.
Na entrevista, Dowbor relata debate recente sobre a direita no mundo ocorrido na Polônia. Discorre, por exemplo, sobre emprego, e cita o casso do Brasil: “Estão no emprego formal 33 milhões de pessoas, para uma força de trabalho 105 milhões. O problema não é amanhã; o problema já está aqui e é gigantesco”.


ILEGÍTIMO, CANALHA, COVARDE
No Brasil, afirma, “houve uma conjunção de fatores que permitiu que essa extrema direita assumisse o poder; ele [Bolsonaro] não é representativo. O conjunto de posicionamentos fragiliza o futuro do Brasil. A repercussão internacional de termos um canalha desse porte na Presidência: para já o Brasil virou a piada mundial. Por outra parte, o desmatamento da Amazônia está gerando indignação planetária”.
Para além do retrocesso de Bolsonaro representa, Dowbor afirma que o capitão faz “um governo extremamente fraco. Ele assina qualquer coisa, é hoje ou nunca. Arranca pedaços da Petrobras, arranca a Embraer, permite a invasão da Amazônia, permite agressão aos indígenas, permite a venda de terras. Ele não representa o Brasil, em sua maioria. O grosso da população, da intelectualidade e mesmo da classe média têm outra visão. Nós já evoluímos para uma condição mais civilizada”.
Dowbor, que participou da resistência à ditadura militar, começou a entrevista comentando as declarações abjetas de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz, desaparecido político, pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz:
“Eu comungo a humilhação e o sofrimento do filho e da família. É uma atitude covarde. Eu perdi minha primeira mulher, a Pauline [Reichstul]. Mataram ela no Recife [em 1973, no Massacre da Chácara São Bento]. Imagine as pessoas usando a dor, que eu sinto até hoje, para mostrar superioridade. Usando a posição dele como presidente”.
E afirma:
“Eu não reconheço legitimidade [de Bolsonaro]. Ele nunca teria sido eleito se não tivessem prendido o Lula, que é um negócio absolutamente vergonhoso, porque nunca provaram absolutamente coisa nenhuma contra ele. Foi também por causa das “fake news” que foram utilizadas para enganar as pessoas. No sentido de representatividade, é um presidente completamente ilegítimo. Agora, afora ser um presidente ilegítimo, ele se mostra simplesmente um canalha, um covarde, que abusa de poder. Não tem dimensão humana, de dignidade mínima para exercer esse cargo”.