“A soberania na mineração não pode ser nem 40 nem 80. Ou seja: nem uma situação em que não se minera em lugar algum nenhum, nem uma liberação para minerar em todos os lugares em tempo real. Soberania significa controle social sobre as lógicas produtivas da mineração. Significa a sociedade voltar a ter controle. Neste momento, a mineração é um vale tudo contra a natureza em função dos lucros dos acionistas. É uma baixa tributação e uma violência constante contra os corpos que trabalham e que levantam essa quantidade de ferro para exportação”.

O alerta é de Charles Trocate ao TUTAMÉIA. Educador popular, filósofo, escritor, editor e membro da Academia Sul Paraense de Letras, ele é um dos líderes nacionais do MAM, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração. A articulação está comemorando dez anos de ação neste mês de abril de 2022.

Para falar sobre o contexto da explosão da mineração no país e das lutas do movimento, TUTAMÉIA traz as análises de Trocate e da antropóloga Maria Júlia Gomes de Andrade, que também foi uma pioneira na organização (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Maria Júlia conta que dez anos atrás um grupo de pessoas, especialmente baseadas em Minas Gerais e no Pará, constatou o aumento desenfreado da mineração no país. As reconfigurações capitalistas, a crise de 2008 e a ascensão chinesa faziam o pano de fundo das transformações no setor.

“Sempre houve exploração dos nossos bens minerais, mas o que aconteceu nos anos 2000 foi algo que nunca aconteceu antes no Brasil e em nenhuma parte do mundo no nível de voracidade, das toneladas extraídas para fora do Brasil”, afirma ela.

Assim, o coletivo organizou uma reunião em Parauapebas, no Pará, perto de Carajás, com participantes de vários Estados. “Era preciso lidar com essa questão mineral. Era preciso um movimento de caráter nacional”.

Maria Júlia avalia que mesmo dentro da esquerda “nunca houve uma questão mineral” comparável ao caso do petróleo, com uma abordagem estratégica mais ampla.

Trocate observa que a grande virada no setor aconteceu com a privatização da Vale em 1997. A partir daí, diz ele, houve um “processo incontrolável”. Na sua visão, “só haverá possibilidade de controle de uma atividade já altamente financeirizada se a gente voltar a ter controle do nosso modelo de mineração”.

Ele afirma que o período de maior intensidade no boom da mineração ocorreu de 2003 a 2012. “A ressaca do boom da mineração foi Mariana, Brumadinho e uma centena de derrama de rejeitos país afora. A mineração cresce 400% nesse período. Estamos de volta ao que chamamos de mineração neoextrativista, marginal e conservadora”.

Charles e Maria Júlia colocam a questão da soberania no centro do debate sobre “outra possibilidade de desenvolvimento da sociedade por outras formas econômicas a não ser essa pela larga escala”.

A antropóloga ressalta:

“Não defendemos que fechem todas as minas. Mas é preciso avançar num processo de maior regulação, de um controle popular do setor. É muito mais do que fiscalizar o setor. Precisa haver um projeto de país. Deveria existir uma racionalidade do ponto de vista de um projeto de país. Dizer: isso, agora, não faz sentido explorar. Não se deveria entrar com mineração em qualquer território. Existem outras vocações que ficam inviabilizadas com a mineração, pela contaminação do solo, dos cursos d’água”.

Ela segue:

“Hoje, a racionalidade e o poder decisório não estão no Brasil. Estão nas bolsas de mercados futuros. Uma maior regulação passa por um controle que deveria trazer maior transparência dessas estruturas. Outra dimensão é a questão fiscal”.

Charles Trocate alerta: “O que está em curso no Brasil é a vontade do governo, do presidente e da coalizão que ele formou, de fazer com que a mineração no Brasil chegue a 10% do PIB. Estamos em 3,5% e já está incontrolável!”.