“A transparência é a sua principal arma para quando você precisa tomar medidas mais duras.  Como nós fomos divulgando boletins todos os dias, quando foi preciso eu chegar para a cidade e dizer que tinha de parar, as pessoas sabiam a razão, eu não estava contando nenhuma novidade. Isso explica um pouco a transparência como instrumento de construção de uma política mais dura, mais restritiva de combate à pandemia, ou seja, você legitima a sua medida.”

Assim fala Edinho Silva, prefeito de Araraquara, analisando as razões do sucesso que a cidade teve no enfrentamento à pandemia, mesmo tendo passado –no início deste ano—por uma expansão do espalhamento do vírus. Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, ele lembra os ataques sofridos e o apoio recebido por ter colocado a cidade em lock down, aponta as dificuldades enfrentadas pelos municípios, por falta de apoio federal, e afirma que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade aos deixar de tomar as medidas necessárias para combater o coronavírus.

“Quando ocorreu o surto em Manaus, o que é que qualquer governante preocupado com seu povo, responsável, que entende que deve salvar vidas, o que qualquer governante faria? O que governo deveria ter feito? Deveria dar o comando para a ampliação de leitos no Brasil inteiro, o comando para que as empresas produtoras de usinas geradoras de oxigênio dessem celeridade ao processo de produção, que empresas que envasam oxigênio e cilindros também dessem celeridade ao processo de produção. O governo deveria ter dados celeridade ao processo de vacinação, porque Manaus era o prenúncio do que o Brasil iria viver. Nada disso foi feito. Nada, absolutamente nada. O governo se omitiu, e omissão governamental é crime de responsabilidade. Não só o governo não tomou as medidas que deveriam ter sido tomadas, como ele descredencia os leitos SUS no enfrentamento à covid. Está mais do que caracterizado o crime de responsabilidade do governo Bolsonaro.”

Na cidade do interior paulista –fica a 278 km a noroeste da capital–, ao contrário, foram tomadas desde o início da pandemia, conforme conta o prefeito, que está em seu quarto mandato (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“No final, de março de 2020, quando nós tínhamos certeza que a pandemia chegaria ao Brasil e, por consequência, a chegada ao interior de São Paulo era inevitável, questão de tempo. Criamos um comitê científico e um comitê de contingenciamento, que articula a cidade como um todo, articula o governo. Esse comitê se reúne todos os dias e produz um boletim diário sobre a situação da pandemia na cidade –número de contaminados, número de internados e muitas outras informações. Levantamos um hospital de campanha, que agora foi muito importante, aceleramos as obras numa unidade de retaguarda que nós estamos construindo e se tornou também uma unidade de internação de paciente, criamos uma estrutura de testagem: nós temos hoje os maiores índices de testagem do Brasil.”

Foi essa estrutura de testagem que permitiu detectar a chegada à cidade da nova cepa do coronavírus: “No final de janeiro, detectamos a circulação da mutação brasileira do coronavírus. Fez com que a cidade enfrentasse momentos extremamente difíceis na pandemia, de colapso do sistema de saúde, pessoas ficando doentes, e a cidade não tendo leitos para que todos esses pacientes fossem abrigados”.

Município rico em comparação com a maioria das cidades brasileiros e com alta qualidade de vida –é o 14º do país no ranking do IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano–, Araraquara iniciou então o processo que tornou a cidade reconhecida internacionalmente por sua resposta à pandemia.

“Nós ampliamos o número de leitos, fomos atrás de empresas que produzem usinas geradoras de oxigênio e de empresas que fazem o envase dos cilindros de oxigênio, atrás das empresas de insumos dos medicamentos para intubação. Enfim, tomamos as medidas necessárias e colocamos a cidade na fase vermelha, mais restritiva.”

O resultado imediato, porém, foi fracativo: “Por uma semana a contaminação não caiu”, lembra Edinho Silva, foi ministro da Comunicação no governo Dilma e por dois mandatos presidiu o PT no estado de São Paulo. “Isso nos causou uma preocupação imensa. Seguindo a orientação do comitê científico e do comitê de contingenciamento, nós retiramos o transporte público de circulação e fechamos até supermercados, porque supermercado gera aglutinação, gera aglomeração de pessoas. Reabrimos os supermercados no sexto dia porque nós ficamos receosos com o desabastecimento das famílias. No décimo primeiro dia, colocamos Araraquara numa fase acima da vermelha, portanto só farmácia, só estabelecimento de saúde funcionaram.”

A reação contrária foi imediata.

“Teve ato, teve gente na porta da prefeitura, carreata, buzinaço, ato sendo chamado para a porta da minha casa, enfim, a secretária da saúde sendo ameaçada, eu fui ameaçado de morte, mas por um grupo minoritário, extremamente minoritário. São os negacionistas. Eles estão no Brasil inteiro, estão aqui também.  No começo,   foi uma articulação nacional, não foi só local, nós tivemos aqui muitos ataques contra o lock down. Tivemos aqui fake news várias, ataques vários, perfis falsos em redes sociais, enfim, tudo aquilo que a gente tá vendo no Brasil de forma mais organizada desde 2018. Nós enfrentamos tudo isso. A fake news atrapalha muito porque cria confusão na comunicação. Isso claro poderia ter sido evitado, mas faz parte de toda a estratégia que o Brasil vive de grupos negacionista, onde o próprio presidente da República é um negacionista.”

As manobras atrapalhavam ainda mais uma situação que já era, por si, complicada: “Foram momentos difíceis porque infelizmente, uma parte dos pequenos e médios empresários dos comerciantes, dos prestadores de serviços, esses setores já deram tudo que eles podiam dar nessa pandemia. Não temos no Brasil uma linha de crédito para socorro ao pequeno e médio empresário, ao contrário do que o mundo tá fazendo. Então é muito difícil para esses setores entrarem em isolamento social, fecharem as suas portas”.

Apesar disso, afirma o prefeito, a cidade participou: “Mesmo com todas essas dificuldades nós tivemos apoio majoritário da cidade, mesmo dos pequenos comerciantes, do pequeno e médio empresário, e efetivamente a cidade parou. É um remédio amargo, terrivelmente amargo, mas ele dá resultado”.

Ele mostra números para comprovar sua afirmação, comparando dados do período mais grave da pandemia na cidade com a situação atual: a média móvel de casos, por exemplo, caiu 71% do início do lock down, em 21 de fevereiro, ao último domingo (18.4); e o número de mortes por semana diminuiu em 63% da primeira semana de fevereiro para a semana passada. As testagens continuaram e são também indicador do progresso da cidade: a taxa de positivos caiu em 77% de 16 de fevereiro para 18 de abril.

“Nós estamos aqui praticamente há dois meses sem nenhum paciente aguardando leito para internação, não existe fila para internação. Ao contrário, nós estamos atendendo já pacientes da região, de fora de Araraquara”, afirma o prefeito, dizendo que agora é preciso olhar para o futuro:

“O desafio é fazer com que a cidade mantenha esses indicadores baixos. As atividades econômicas precisam voltar porque as pessoas estão no limite, o desemprego aumentando, o prestador de serviço passando por uma situação difícil. Temos que construir um caminho para que haja o retorno das atividades com muita segurança e com muito cuidado.”

Um dos caminhos tomados pela cidade –a volta às aulas—tem sido motivo de críticas a Edinho dentro de seu próprio partido, como ele comenta na entrevista. E afirma: “Não existe nenhum manual escrito de como se enfrentar uma pandemia, e não existe um manual escrito de como enfrentar uma mutação do vírus com essa violência. Nós vimos nesse início de ano 2021 que os caminhos, são novos, tinham de ser construídos. Nenhum nenhum ramo da ciência séria consegue dizer qual será o desfecho de tudo isso nós estamos vivendo”.