“Bastos, tu estás indo para a Redação? Então acelera o passo, que o Jânio renunciou.”

Carlos Henrique Bastos quase não acreditou na informação passada pelo líder comunista Silveira, presidente do Instituto Brasil-URSS e pai de um jornalista colega do então repórter da “Última Hora”. Mas agradeceu e seguiu seu caminho pela praça da Alfândega, em Porto Alegre, em direção à rua Sete de Setembro, onde ficava a sede do jornal.

“Eu fui pensando com meus botões: ‘Ah, mas esses comunistas são ondeiros mesmo! Como é que o Jânio, que fez toda uma carreira política para ser presidente da República, foi vereador em São Paulo, foi deputado estadual, foi prefeito de São Paulo, foi governador de São Paulo, foi deputado federal, para chegar a presidente da República, e sete meses depois vai renunciar? Que loucura!’ Quando eu cheguei à redação, estava aquela reboldosa, o Jânio tinha renunciado mesmo!”

Assim começou para o repórter a cobertura mais empolgante de sua trajetória, diz ao TUTAMÉIA o jornalista, hoje com 87 anos, depois de ter militado na imprensa dos vinte aos oitenta e dois anos: “O episódio da Legalidade é sem dúvida o mais marcante da minha vida, da minha existência e da minha carreira profissional”.

A entrevista culmina a série de programas realizados por TUTAMÉIA por ocasião do centenário do nascimento de Leonel Brizola (22jan1922-21jun2004)  —confira a íntegra no vídeo no alto desta página e se inscreva no TUTAMÉIA TV. Antes, conversamos com o historiadores JORGE FERREIRA e com o deputado constituinte VIVALDO BARBOSA (clique nos nomes para acessar as respectivas reportagens e vídeos).

“Eu cobri todos os fatos, tudo o que aconteceu, a movimentação dos tanques, a atividade dos estudantes a bloquear as ruas, o pessoal da Base Aérea de Canoas, que veio comunicar pro Brizola que tinham esvaziado os pneus e os tanques de gasolina dos aviões que iriam bombardear o Palácio do governo. Um grupo pequeno entrou o palácio, e eu fiquei lá na acompanhando o relato que uma turma grande da Base Aérea fazia para a multidão que se postava em frente ao palácio. Todas essas notícias eu transmitia para o nosso jornal”.

Os repórteres da “Última Hora”, que contava ainda com profissionais como Flávio Tavares e Tarso de Castro na cobertura da Legalidade, não arredaram pé do palácio Piratini: “A partir do sábado, 26 de agosto, eu permaneci todo o período no Palácio. Eu ia em casa só para tomar banho e trocar de roupa. Comia num bastantão, jantava ali também. Fiquei no Palácio todo o tempo da Legalidade. Dali eu mandava as notícias para o jornal, que teve inclusive uma edição Extra no domingo”.

Na segunda-feira, 28 de agosto de 1961, o governador do Rio Grande do Sul dá o passo mais audacioso contra o processo golpista em curso no país, que tinha como objetivo impedir a posse de do vice-presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. Eis o que nos conta Carlos Henrique Bastos:

“Às onze da manhã, Brizola pegou o microfone da Rede da Legalidade e anunciou que o Terceiro Exército tinha recebido uma ordem para bombardear o Palácio Piratini. É uma cena incrível, e eu me emociono cada vez que me recordo dessa cena: “Havia normalmente, durante todo o período da Legalidade, umas cinco mil pessoas ali defronte ao Palácio Piratini. O Brizola começou a falar às 11 da manhã e tinha cinco mil pessoas na frente do Palácio. Ele fez a denúncia de que iriam bombardear o Palácio, e uma hora depois havia cinquenta mil pessoas na frente do Palácio! Olhe a politização do povo gaúcho!”

Bastos segue: “Brizola fez aquela conclamação, aquele discurso empolgante. Ali, naquele momento, eu não tenho dúvida, o Brizola atingiu o ápice de sua carreira política. Ali ele articulou tudo, ele fez tudo o que tinha de fazer, com seus quarenta anos incompletos. Eu já era simpatizante do PTB, mas eu não era partidário. Mas não vou negar para vocês que eu aderi ao trabalhismo no Movimento da Legalidade. Foi incrível a atuação do Brizola nesse episódio.” (Leia a íntegra no final desta reportagem)

O discurso talvez tenha sido um dos motivos para fazer com que o comandante do Terceiro Exército, mudasse de posição. Ele, que horas depois da renúncia de Jânio havia dito a Brizola que cumpriria as ordens militares, acabou por ir ao Palácio anunciar sua adesão à Legalidade. Bastos acompanhou não só o momento histórico como também um desdobramento que lhe valeu um furo de reportagem:

“Logo depois que o general Machado Lopes foi ao Palácio, abanou para o povo e se manifestou a favor da Legalidade, eu estava no pátio do Palácio. Quando ele desce, sai para o pátio, e ali o Brizola entra no carro com ele, para leva-lo de volta ao QG do Terceiro Exército. É quando Francisco Brochado da Rocha, secretário de Justiça de Brizola, que tinha perdido um pé na Revolução de 30, num ataque ao quartel-general do Terceiro Exército, ele vai manquitolando, acompanhando carro que levava o general Machado Lopes, gritando: “Viva o General da Legalidade, viva o General da Legalidade!’. Esse foi o registro mais emocionante que eu fiz em todo o período da Legalidade.”

A cobertura jornalística, lembra Carlos Bastos, tinha também seu lado militante, como mostra o episódio que ele assim recorda:

“Tenho uma cena gravada na minha retina: o Luiz Carlos Barreto, o Barretão, cineasta, que estava cobrindo pela revista “O Cruzeiro”, subindo em uma das mesas da sala de imprensa do Palácio Piratini, que estava coalhada de jornalistas. Quando o Jango chegou, e começou a correr o boato de que ele iria aceitar o parlamentarismo, então o Luiz Carlos Barreto fez uma conclamação para os jornalistas, para que fôssemos fazer um apelo para o senhor João Goulart, para que ele não aceitasse o parlamentarismo. Foram mais de cem jornalistas até a parte residencial do Palácio Piratini, onde estava Goulart. Ele nos recebeu na porta. Falaram o Luiz Carlos Barreto, o Flávio Tavares e o Tarso de Castro, pedindo para que não fosse aceito o parlamentarismo.”

Na hora, lembra o jornalista, “Jango não disse que não ia aceitar o parlamentarismo, mas também não disse que iria aceitar. Fez uma conversa intermediária”. Depois, a opção do vice-presidente se tornou pública, conta Bastos:

“Ficou evidente que ele iria aceitar o parlamentarismo, teve a manifestação em frente ao palácio, em que o Brizola falou, e o Jango se limitou a abanar para a multidão. Havia uma imensa multidão em frente ao Palácio, e o Jango não falou. Tinha recém chegado do Uruguai. Aí foi a maior reação que eu vi até hoje na minha vida, a maior vaia que eu vi até hoje na minha vida foi contra esse mutismo do João Goulart, a reação daquela multidão defronte ao palácio Piratini.”

O próprio governador gaúcho não engoliu a decisão, diz o jornalista: “Assim que foi confirmado que o Jango havia aceitado o parlamentarismo, o Brizola não falou mais na Rede da Legalidade. Ele fava quatro, cinco, seis vezes por dia. A partir de que o Jango comunicou para ele, eles tiverem uma discussão, o Jango disse que aceitaria o parlamentarismo, o Brizola não falou mais. Respeitou a decisão do Jango, mas silenciou. Não foi à posse de Jango em Brasília, que foi cinco dias depois”.

O fato é que a tentativa de impedir que o vice-presidente assumisse havia sido derrotada, conclui Bastos:

“Esse é um dos galardões que o Brizola levou para o túmulo: ele é o único civil que evitou um golpe militar na América Latina. O único civil que evitou um golpe militar se chama Leonel de Moura Brizola.”

A seguir, imagens reproduzidas no livro ‘Fotojornalismo e legalidade 1961 – Última Hora Rio-Grandense’, de Claudio Fachel.

DISCURSO DE LEONEL BRIZOLA PELAS EMISSORAS DA CADEIA DA LEGALIDADE,

 ÀS 11H DO DIA 28 DE AGOSTO DE 1961, NO PALÁCIO PIRATINI

Peço a vossa atenção para as comunicações que vou fazer. Muita atenção. Atenção, povo de Porto Alegre! Atenção Rio Grande do Sul! Atenção Brasil! Atenção meus patrícios, democratas e independentes, atenção para essas minhas palavras!

Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Porto Alegre. Fechem todas as escolas. Se alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianças para junto de seus pais. Tudo em ordem. Tudo em calma. Tudo com serenidade e frieza. Mas mandem as crianças para casa.

Quanto ao trabalho, é uma iniciativa que cada um deve tomar, de acordo com o que julgar conveniente. Quanto às repartições públicas estaduais, nada há de anormal. Os serviços públicos terão o seu início normal e os funcionários devem comparecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará qualquer falta que, por ventura, se verificar no dia de hoje.

CIDADELA HEROICA

Hoje, nesta minha alocução, tenho os fatos mais graves a revelar. O Palácio Piratini, meus patrícios, está aqui transformado em uma cidadela que há de ser heroica, uma cidadela da liberdade, dos direitos humanos, uma cidadela da civilização, da ordem jurídica, uma cidadela contra a violência, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes. No Palácio Piratini, além da minha família e de alguns servidores civis e militares do meu Gabinete, há um número bastante apreciável, mas apenas daqueles que nós julgamos indispensáveis ao funcionamento dos serviços da sede do Governo. Mas todos os que aqui se encontram, estão de livre e espontânea vontade, como também, grande número de amigos que aqui passou a noite conosco e retirou-se hoje, por nossa imposição.

Aqui se encontram os contingentes que julgamos necessários, da gloriosa Brigada Militar,  o Regimento Bento Gonçalves e outras forças. Reunimos aqui o armamento de que dispúnhamos. Não é muito, mas também não é pouco para aqui ficarmos preocupados frente aos acontecimentos. Queria que os meus patrícios do Rio Grande e toda a população de Porto Alegre, todos os meus conterrâneos do Brasil e todos os soldados da minha terra querida pudessem ver com seus olhos o espetáculo que se oferece. Aqui nos encontramos e falamos por esta estação de rádio que foi requisitada para o serviço de comunicação, a fim de manter a população informada e, com isso, auxiliar à paz e à manutenção da ordem. Falamos aqui do serviço de imprensa. Estamos rodeados por jornalistas que teimam, também, em não se retirar, pedindo armas e elementos necessários para que cada um tenha oportunidade de ser também um voluntário, em defesa da Legalidade.

Essa é a situação! Fatos os mais sérios quero levar ao conhecimento dos meus patrícios de todo o país, da América Latina e de todo o mundo. Primeiro: ao me sentar aqui, vindo diretamente da residência, onde me encontrava com minha família, acabava de receber a comunicação de que o ilustre general Machado Lopes, soldado do qual tenho a melhor impressão, me solicitou audiência para um entendimento. Já transmiti, aqui mesmo, antes de iniciar minha palestra, que logo a seguir receberei S. Exa. com muito prazer, porque a discussão e o exame dos problemas é o meio que os homens civilizados utilizam para solucionar os problemas e as crises. Mas, pode ser que esta palestra não signifique uma simples visita de amigo. Que esta palestra não seja uma aliança entre o Poder Militar e o Poder Civil, para a defesa da ordem constitucional, do direito e da paz como se impõe neste momento, como defesa do povo, dos que trabalham e dos que produzem, dos estudantes e dos professores, dos juízes e dos agricultores, da família. Todos, até as nossas crianças desejam que o Poder Militar e o Poder Civil se identifiquem nesta hora para vivermos na Legalidade. Pode significar, também, uma comunicação ao governo do Estado da sua deposição. Quero vos dizer que será possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que eu, nem deste serviço, possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à população. Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, consequências muito sérias. Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe. A nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores. O certo, porém, é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar.

ESTADOS UNIDOS ESPOLIAM E EXPLORAM ESTA NAÇÃO

Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios ficarão sabendo porque esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida pela destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E quero vos dizer porque penso que chegamos a viver horas decisivas. Muita atenção, meus conterrâneos para essa comunicação. Ontem à noite o sr. ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, soldado no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade e que está adotando decisões das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do Repórter Esso que não concorda com a posse do sr. João Goulart, que não concorda com que o presidente constitucional do Brasil exerça suas funções legais! Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre comunismo ou não. Isto é pueril, meus conterrâneos! Isso é pueril, meus patrícios! Não nos encontramos neste dilema. Que vão essas ou aquelas doutrinas para onde quiserem. Não nos encontramos entre uma submissão à União Soviética ou aos Estados Unidos. Tenho uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho aquilo que falta a muitos anticomunistas exaltados deste país, que é a coragem de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus monopólios e trustes, vão espoliando e explorando esta Nação sofrida e miserabilizada. Penso com independência. Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso pelo Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e independente. Não um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e monopólios norte-americanos. Nada temos com os russos. Mas nada temos também com os americanos, que espoliam e mantêm nossa pátria na pobreza, no analfabetismo e na miséria.

Esses que muito elogiam a estratégia norte-americana querem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. Mas isso foi dito pelo ministro da Guerra. Isso quer dizer que S. Exa. tomará todas as medidas contra o Rio Grande. Estou informado que todos os aeroportos do Brasil, onde pousam aviões internacionais de grande porte, estão guarnecidos e com ordem de prender o sr. João Goulart, no momento da descida. Há pouco falei, pelo telefone, com o sr. João Goulart, em Paris, e disse a ele que todas as nossas palestras de ontem foram censuradas. Tenho provas. Censuradas não nos seus efeitos, mas a rigor. A companhia norte-americana dos telefones deve ter gravado e transmitido os termos de nossas conversas para essas forças de segurança. Hoje eu disse ao sr. João Goulart: decide de acordo com o que julgares conveniente. Ou deves voar, como eu aconselho, para Brasília, ou para um ponto qualquer da América Latina. A decisão é tua! Deves vir diretamente a Brasília, correr o risco e pagar para ver. Vem. Toma um dos teus filhos nos braços. Desce sem revólver na cintura, como um homem civilizado. Vem como para um país culto e politizado como é o Brasil e não como se viesse para uma republiqueta, onde dominem os caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas. Voa para o Uruguai, então, esta cidadela da liberdade, aqui pertinho de nós, e aqui traça os teus planos, como julgares conveniente.

Vejam, meus conterrâneos, se não é loucura a decisão do ministro da Guerra. Vejam, soldados do Brasil, soldados do III Exército! Comandante, general Machado Lopes! Oficiais, sargentos e praças do III Exército, guardiões da ordem da nossa pátria. Vejam se não é loucura. Este homem está doente! Este homem está sofrendo de arteriosclerose, ou outra coisa. A atitude do marechal Odílio Denys é uma atitude contra o sentimento da Nação. Contra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra os trabalhadores, contra os professores, juízes, contra a Igreja. Ainda há pouco, conversando com S. Exa. Reverendíssima Arcebispo Dom Vicente Scherer, recebi a comunicação de que todos os cardeais do Brasil haviam decidido lançar proclamação pela paz, pela ordem legal, pela posse a quem constitucionalmente cabe governar o Brasil, pelo voto legítimo de seu povo. Essa proclamação está em curso pelo país. As igrejas protestantes, todas as seitas religiosas clamam por paz, pela ordem legal. Não é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos. Queremos ordem civilizada, ordem jurídica, a ordem do respeito humano. É isso.

LOUCURA E DESATINO

Vejam se não é desatino. Vejam se não é loucura o que vão fazer. Podem nos esmagar, num dado momento. Jogarão o país no caos. Ninguém os respeitará. Ninguém terá confiança nessa autoridade que será imposta, delegada de uma ditadura. Ninguém impedirá que este país, por todos os seus meios, se levante lutando pelo poder. Nas cidades do Interior surgirão as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade, contra o que um louco e desatinado está querendo impor à família brasileira. Mas, confio, ainda, que um homem como o general Machado Lopes, que é soldado, um homem que vive de seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do Exército, como essa sargentada humilde, sabe que isso é uma loucura e um desatino e que cumpre salvar nossa pátria. Tenho motivos para vos falar desta forma, vivendo a emoção deste momento, que talvez seja, para mim, a última oportunidade de me dirigir aos meus conterrâneos. Não aceitarei qualquer imposição.

SÓ QUEREMOS ORDEM E PAZ

Desde ontem, organizamos um serviço de captação de notícias por todo o território nacional. É uma rede de radioamadores, num serviço organizado. Passamos a captar, aqui, as mensagens trocadas, mesmo em código e por teletipos, entre o III Exército e o Ministério da Guerra. As mais graves revelações que quero vos transmitir. Ontem, por exemplo ” vou ler rapidamente porque talvez isto provoque a destruição desta rádio ” o ministro da Guerra considerava que a preservação da ordem “só interessa ao governador Brizola”. Então, o Exército é agente da desordem, soldados do Brasil?! É outra prova da loucura! Diz o texto: “É necessário a firmeza do III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial”.

Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo considerado inimigo, meus patrícios, quando só o que queremos é ordem e paz. Assim como este, uma série de outros rádios foi captada até no estado do Paraná, e aqui os recebemos por telefone, de toda a parte. Mais de cem pessoas telefonaram e confirmaram. Vejam o que diz o general Orlando Geisel, da ordem do marechal Odílio Denys, ao III Exército: “Deve o comandante do III Exército impedir a ação que vem desenvolvendo o governador Brizola. Deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratem de restituir o respeito ao Exército. O III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza. Faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente. A Aeronáutica deve realizar o bombardeio, se for necessário. Está a caminho do Rio Grande uma força-tarefa da Marinha de Guerra e mande dizer qual a reforço de que precisa. Diz mais o general Geisel: “Insisto que a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da situação do Rio Grande do Sul, por não terem, ainda, sido cumpridas as ordens enviadas para coibir a ação do governador Brizola”.

Era isso, meus conterrâneos. Estamos aqui prestes a sofrer a destruição. Devem convergir sobre nós forças militares para nos destruir, segundo determinação do ministro da Guerra. Mas tenho confiança no cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos, especialmente do general Machado Lopes, que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha. Assuma, aqui, o papel histórico que lhe cabe. Imponha ordem neste país. Que não se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra a população civil, contra as autoridades. É uma loucura.

RESISTIREMOS ATÉ O FIM

Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Venham, e se eles quiserem cometer esta chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado.

Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação.

Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem estas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!

Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui estaremos para cumprir o nosso dever.”