“Eles terão de pagar a conta perante a história dessas mortes. Há responsáveis por isso. O governo faz questão de dizer que estão muito felizes em diminuir os gastos com a saúde, com a assistência e procurar fortalecer as grandes empresas, os grandes negócios, o agronegócio, as empresas de material bélico. Esse é o caminho desse governo. Perante a história, eles serão responsabilizados por esse crime de lesa-humanidade.”

Assim fala o sociólogo Edival Nunes Cajá em entrevista ao TUTAMÉIA nesta quinta-feira, 1º de abril, ainda sob o impacto da divulgação dos números pandemia no mês de março no Brasil: recorde de mortes em trinta dias, 66.868 vidas perdidas, mais do que o dobro do que o pior mês até agora, julho do ano passado. Desde o início da pandemia, são 321.886 mortes –é o segundo do mundo no total, mas, desde cinco de março, é o país com maior número de mortes a cada 24 horas.

“Quando há um governo destrambelhado como o nosso, um governo completamente identificado com os elementos mais atrasados do sistema imperialista, é evidente que nós sofremos mais os efeitos dessa crise”, diz Cajá, comentando também os recentes expurgos nos comandos militares de Bolsonaro:

“Essas alterações nos mandos militares não têm outro objetivo senão ajustar a realidade com as suas vontades, tentar inclinar o país para essa tendência, que está na sua cabeça e de seus assessores, de que é possível um mundo alinhado com aquelas ideias do nazifascismo, é possível fazer uma sociedade naquele estilo.”

Ex-preso político e coordenador do Comitê Verdade, Memória e Justiça de Pernambuco, o sociólogo lembra a ação dos militares em 1964: “O golpe de 64 foi uma destituição violenta de um governo eleito pelo povo, ruptura violenta da Constituição. As Forças Armadas participaram e cumpriram, como subordinadas, esse triste papel. Cometeram, portanto, um crime. Quando alguém vai ao governo e pede o direito de comemorar esse golpe militar de 64, na verdade está cometendo um outro crime. Quer o direito de comemorar o ilícito. Isso é um insulto à memória das pessoas. Isso não é natural, não é aceitável. Não se pode considerar que 64 não foi uma ruptura, não foi um golpe, não foi um crime.”

Para ele, “foram crimes sucessivos ao longo de 21 anos. Cinco generais se seguindo na presidência, sem eleições, com seus opositores sendo eliminados seletivamente. A economia nunca esteve tão desnacionalizada, os salários nunca estiveram tão arrochados –só agora. A corrupção nunca foi tão grande; por isso a imprensa era censurada. Se nós formos contabilizar os crimes de sangue, o débito de sangue, das Forças Armadas para com o nosso país, não lhes dá o direito de comemorar qualquer coisa de 64.”

E completa: “Esse golpe de 64 foi responsável por cerca de cinquenta anos de atraso na economia, na educação nos esportes, em tudo na nossa vida. O estrago foi muito grande. Não foi feito ainda um inventário completo. Não há nada a reivindicar como saudável do golpe.”

Manifestação realizada em Recife em memória dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, por justiça e reparação – 31.mar.21/Foto Divulgação

Ao contrário, diz, o que existe são os crimes. E a impunidade, que ele considera danosa para a sociedade brasileira: “Estudos mostram que, nos países em que ficaram impunes os golpes militares, as ditaduras, o grau de violência é crescente. Porque estimula os agentes do estado que praticaram crimes, usaram de violência contra aqueles que pagam seus salários e ficaram impunes.”

Isso precisa mudar. “Nós não abrimos mão de lutar pelo direito à memória, à verdade, à justiça, à punição dos torturadores”, lembrando a ação do recém-lançado movimento “Reinterpreta Já, STF”, que reivindica a punição dos que, a serviço do estado cometeram crimes contra o povo brasileiro. “É um sinal de esperança”, conclui.