“O governo resolveu desmontar toda a área cultural”. É o que afirma Celso Curi, produtor, gestor cultural e presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) ao TUTAMÉIA. Ao lado dele, fala Regina Galdino, diretora teatral: “Tanto faz ser o Alvim, a Regina Duarte ou o Zé das Couves, porque o objetivo deles é o desmonte. Eles querem que o ministério não funcione, seja com quem for”.
Com esse diagnóstico, os dois integram um movimento inédito de artistas de várias áreas e de diferentes visões políticas para barrar a destruição da cultura, a censura e os ataques cotidianos do governo Bolsonaro à liberdade de expressão, à democracia e à Constituição. Organizam debates, intervenções culturais e, agora, de 11 a 18 de fevereiro, a Semana de Arte Contra a Barbárie, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo (CLIQUE AQUI para ver a programação completa, que inclui uma edição na avenida Paulista). Há centenas de participantes nessa manifestação, e quem não pode vir a São Paulo mandou vídeo para dar seu recado (veja abaixo um exemplo).

Nesta entrevista (acompanhe no vídeo acima), Celso e Regina relatam os vários casos de censura e dirigismo cultural praticados pelo governo Bolsonaro, em confronto direto com o que o artigo quinto da Constituição estabelece. Por isso, criaram um movimento com esse nome, concentrando as atividades do grupo.
“Diariamente eles [os governantes] ferem a Constituição. Isso nos incomoda. E o pior é que as demais instituições não reagem”, declara Celso. “O Supremo ficou de cócoras, está demorando para se levantar”, completa Regina.
Celso relembra dos tempos da ditadura militar, quando também sofreu com as arbitrariedades do regime, e diz: “É muito parecido com a ditadura, mas os processos são diferentes. Eles hoje são sujos, não são diretos”.


Ambos citam vários episódios em que a censura de estabelece de várias formas. Usam de subterfúgios como alegadas reformas em cadeiras de teatros para impedir que as obras cheguem ao público. Fazem isso “de uma maneira canalha. O governo é sujo, nojento”, define Celso. “Estamos num Estado autoritário, num Estado de exceção”, classifica Regina.
O movimento dos artistas reage a essa destruição nunca vista. Afirmam:
“Temos de torcer para isso acabar logo, para que a gente possa se recuperar o mais rápido possível. Nós precisamos agir, falar, para que as pessoas vejam que algo está fora de ordem. O Brasil é mais do que isso. A Cultura tem a função de ser o coração, a alma pulsante da sociedade. Tem solução! Lutamos para ter o Brasil plural de volta. O sol há de brilhar mais uma vez”.
A seguir a íntegra do manifesto:

MANIFESTO “SEMANA DE ARTE CONTRA A BARBÁRIE”

Está aberta a Semana de Arte contra a Barbárie, uma ação de artistas e educadores do Movimento Artigo Quinto. Neste teatro, há quase cem anos, em 1922, aconteceu a famosa Semana de Arte Moderna. Mas ela foi feita lá dentro. Os tempos mudaram e agora é preciso estar aqui, do lado de fora, falando com você, cidadão brasileiro, para quem e com quem nós construímos o nosso trabalho.

Neste momento, vocês e nós estamos correndo um grande risco: o de ficarmos sem voz. Não essa voz que usamos para dizer bom dia, pra pedir pão na padaria, para dizer olá ou tchau para os amigos… Não, não é essa voz que corre o risco de ser silenciada. É nossa voz interior, aquela que nos conta dos medos que temos, das alegrias que vivemos, dos sonhos que nos alimentam. E é nas Artes e na Educação que essa voz interior, e também coletiva, se manifesta.

É importante que você saiba que, quando nos calam como artistas e educadores, é a sua voz que não está sendo ouvida. É seu rosto dolorido, sua risada gostosa ou seu olhar apaixonado que um artista viu ou ouviu, e deles fez uma canção, uma foto, uma peça de teatro ou um espetáculo de dança…  Querem calar o artista porque querem calar você e eu. Nós.

Os donos do poder e do dinheiro não querem que você pense, não querem que você sonhe. Precisam que você não seja informado do que eles fazem, que a gente acredite em todas as mentiras que nos dizem. Não querem que nos lembremos que somos cidadãos, de que somos os donos do país em que vivemos.

Você vive isso. Você sabe disso. Nós falamos sobre isso. Esta é a razão por que o governo Bolsonaro censura a Arte, a Educação, a Ciência e o Pensamento, infringindo o Artigo Quinto da nossa Constituição que garante a liberdade de expressão. Sem essas atividades o ser humano não vive porque seria reduzido a uma dimensão tão pequena, mas tão pequena, que toda sua humanidade se perderia. São elas que nos ajudam a perceber que há algo maior do que nós, em nós e na vida que construímos juntos.  São elas que mantêm viva a Esperança.

Só em 2019 foram registrados 378 casos de censura, ou tentativas de censura, além de muitos que aconteceram sem que os artistas tivessem força ou espaço para denunciar.

Nossa frágil democracia mal teve tempo de botar o pé pra fora da ditadura e já levou bordoada. Bordoada que sempre foi mais brutal para os pobres, os negros, indígenas, quilombolas, LGBTs+, mulheres, os sem tudo (sem comida, sem terra, sem teto), no campo ou na cidade, no centro ou na periferia, em todo lugar onde grita a desigualdade social.

No palco, nas telas, nos livros, na rua, na vida, queremos um Estado que respeite todas as religiões, origens, etnias e orientações sexuais..

PELO DIREITO DE SERMOS QUEM SOMOS, DE FALARMOS O QUE NOS VAI NO PEITO, DO JEITO QUE QUISERMOS. 

ABAIXO A CENSURA.

VIVA A LIBERDADE!  VIVA A DEMOCRACIA!  

NINGUÉM CALA NINGUÉM!

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O manifesto tem também uma expressão musical, o Samba do Artigo Quinto, que você vê a seguir: