“O Bolsonaro veio aqui fazer sucupiragem”, diz, indignado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ao comparar a brevíssima visita do presidente da República a Macapá com as artimanhas de Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia cidade de Sucupira na novela “O Bem Amado”, que passou na Globo no século passado. Em entrevista ao TUTAMÉIA, o líder da oposição no Senado explica porque considera “palhaçada” a ação de Jair Bolsonaro em Macapá, no último sábado (21.11):

“Ele veio aqui, apertou um botão, e hoje nós estamos no escuro de novo. Por que nós estamos hoje no escuro? Porque nós estamos com uma demanda de 45 megawatts para a capital, Macapá. E veja só: sabe quantos megawatts o Bolsonaro veio ligar aqui no sábado, apertar aquele botão e fazer aquela sucupiragem toda? DOIS! Nós estamos precisando de 45, ele veio ligar dois megawatts! Veio para cá, fez desfile em carro aberto, infringindo leis de trânsito, não tomou providência concreta nenhuma. Em qualquer outro governo, o ministro das Minas e Energia estava demitido! Em qualquer outro governo, os diretores da Aneel e do ONS estariam presos, os caras da empresa privada estariam presos.”

O senador segue: “O que houve aqui foi numa cena explícita de sucupiragem sem resolver os problemas do povo. Vejam o que aconteceu ontem em um bairro periférico, o bairro do Brasil Novo. Quando voltou a energia para o bairro, a rede de distribuição, que é muito velha e estava toda comprometida, não aguentou, foi uma série de explosões e curto circuitos. Toda rede de transformadores locais estourando. Isso foi depois da vinda de Jair Bolsonaro aqui. E hoje alguns bairros da cidade estão novamente enfrentando racionamento.”

Realizada pouco depois das 19h desta segunda-feira (23.11), a entrevista ao TUTAMÉIA aconteceu enquanto Rodrigues circulava pela cidade às escuras (clique no vídeo do alto da página para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV). Atuando como repórter,  ele mostrou o que ocorria naquele momento nas ruas da capital do Amapá:

“Neste momento, estamos no escuro em várias áreas de Macapá. Não foi um novo apagão, mas houve uma queda de energia em bairros onde isso não tinha acontecido anteriormente. A avenida Padre Júlio Maria Lombardi, uma avenida central de Macapá, que antes não estava no regime de racionamento, agora está toda no escuro. Ou seja: voltamos a ter um racionamento que não estava previsto. Vários bairros neste momento estão no escuro, sem explicação. Em alguns bairros, a energia está estável, mas, no centro, no Santa Rita, Laguinho, em boa parte das zonas sul e central da cidade, a energia foi desligada sem explicação aparente. Nós estávamos imaginando que hoje já tivéssemos um restabelecimento da proximidade da normalidade. Mas não é o que acontece. O Amapá continua no racionamento, e nós temos informação de que alguns municípios do Estado estão totalmente no escuro. Estamos completando hoje o vigésimo primeiro dia de apagão.”

Uma situação cuja dramaticidade, no dizer no senador, pode entender em sua plenitude. O quadro é de destruição, com prejuízos de cerca de um bilhão de reais, na estimativa de Rodrigues: “Nos quatro primeiros dias do apagão, colapsou o sistema de abastecimento de água. Começo a ter desabastecimento. Os preços dos produtos dispararam, comerciantes perderam em dias o faturamento de um, dois meses, as pessoas mais pobres perderam todas as compras do mês, que estavam na geladeira. Entramos depois num pesadelo contínuo: como se não bastasse o problema que todos vivemos, da falta de energia, há também em vários locais o problema da falta de água. Como se não bastasse isso, estamos no ápice de uma segunda onda da covid 19. Neste momento, o Hospital Universitário, que recebe os pacientes  com covid, está com cem por cento dos leitos ocupados. O aumento do número de mortes por causa da pandemia no Amapá é de quinhentos por cento, isso também decorrente do apagão. Como passamos dias sem água, a população não teve como fazer higiene. Não tendo higiene, o vírus está à solta, a contaminação se amplia. Para completar tudo isso, ontem (domingo, 22.11), ocorreram fortes chuvas na capital que tiveram reflexos em obras que estavam sendo executadas aqui pelo governo federal. Nos locais dessas obras, houve várias casas que foram pro fundo. É essa a situação que estamos vivenciando: apagão de energia elétrica, falta de abastecimento de água, prejuízos para a economia do estado, aumento do número de casos de covid 19, e ontem, para completar, tivemos enchentes na capital.”

As causas, afirma ele, são claras, e podem ser encontradas na privatização da empresa de energia elétrica, combinada com a irresponsabilidade e omissão do governo Bolsonaro: “O que aconteceu aqui foi resultado de um apagão de competências. Em 2015, houve a privatização das linhas de transmissão de Macapá, do estado do Amapá, que foram entregues para uma empresa privada espanhola, uma multinacional chamada Isolux. Essa empresa passou o tempo todo tentando se desfazer dessas linhas de transmissão. Em setembro de 2019, houve uma transferência dos ativos da Isolux para uma outra empresa, chamada Gemini, que é comandada por um conjunto de fundos de investimento.”

Randolfe Rodrigues prossegue: “Em novembro de 2019, o transformador reserva da subestação da Isolux, da Linhas Macapá Transmissora de Energia, entrou em manutenção. A Aneel, o Operador Nacional do Sistema, o Ministério das Minas e Energia, todos eles sabiam disso, tinham conhecimento. Mais grave que isso: em sete de abril (deste ano), houve um ofício, subscrito pela própria empresa concessionária, a LMTE, informando que, em decorrência da pandemia, eles não teriam condições de realizar manutenções técnicas em caso de emergência. Houve uma comunicação oficial, formal, à Agência Nacional de Energia Elétrica, ao Operador Nacional de Sistema, e essa comunicação foi feita também ao Ministério das Minas e Energia. O que foi que a Aneel, o Operador Nacional do Sistema e o Ministério das Minas e Energia fizeram? NADA. NADA. Foram omissos. No dia três de novembro, agora, claramente em decorrência de ausência de manutenção técnica, um dos transformadores –houve quem disse que por causa de raios, não teve nada de raios, foi ausência de manutenção técnica em um dos transformadores, o que levou esse transformador a explodir. A explosão desse transformador comprometeu um segundo transformador. Resultado: o terceiro transformador, de reserva, que deveria entrar em funcionamento para socorrer o sistema, estava em manutenção. Levaram quatro dias para recuperar, capengamente, o transformador de reserva. Capengamente porque é esse que está operando hoje, que está nos levando ao sistema de racionamento.”

Ele aafirma: “O que aconteceu aqui, eu advirto a todos os brasileiros que estão assistindo, pode acontecer em outros lugares do país. É por isso que estou no Senado pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o apagão que ocorreu aqui: a leniência, a omissão delituosa, irresponsável e criminosa da Aneel, pode levar a ocorrer em outros locais do Brasil o que lamentavelmente todos nós amapaenses estamos sofrendo”.

Trata-se de um exemplo claro dos problemas que a privatização de serviço essencial traz para a população, no entender do senador da Rede Sustentabilidade: “Espero que o drama que estamos vivendo sirva de alerta aos Brasil e aos brasileiros, quando o governo continuar com essa ideia ridícula e antipovo de privatização da Eletrobrás. O que está acontecendo no Amapá é resultado da privatização. Privatizaram as linhas de transmissão e vejam o que aconteceu: o local da subestação onde o transformador explodiu, antes, quando estava nas mãos do estado, com a Centrais Elétricas do Norte do Brasil, a Eletronorte, lá atuavam doze operadores, doze técnicos dando manutenção, vendo a operação do sistema, vendo a situação dos transformadores. Quando passou para a empresa privada, a Linhas de Macapá Transmissora de Energia, sabe quantos técnicos tinha no dia da explosão, no dia em que o transformador comprometeu? NENHUM! ZERO! Salve melhor juízo, não tinha nem o vigia lá, quando os transformadores foram comprometidos. Sabe por quê? Porque a empresa privada fazia o controle da subestação à distância, lá de uma base que eles têm no Espírito Santo, a quase três mil quilômetros de distância daqui!”

Rodrigues assim resume a situação: “Privatização é isso. A Eletronorte, aqui, tinha 260 trabalhadores, que cuidavam das linhas de transmissão e da subestação. Hoje a Eletronorte tem quarenta, e eles querem desmontar esses quarenta. Depois que foi privatizada, sequer permitiam a entrada nos trabalhadores da Eletronorte nessa subestação onde explodiram os geradores. Eles eram proibidos de entrar lá. Por isso que nosso apelo é pela reencampação das subestações. Se não, o que vai ser feito aqui é gambiarra. Essa empresa privada não tem compromisso nenhum com os amapaenses, e nós podemos vir a ter a perpetuação dessas circunstâncias que temos hoje por conta desse modelo de privatização e de comprometimento do investimento público que ocorreu aqui”.

Completando, o senador Randolfe Rodrigues acusa: “A irresponsabilidade primeira do ocorrido aqui é do governo federal, é da Aneel. Se tivesse havido fiscalização, não teríamos chegado a essa situação. Há um alento, que vejo nessas eleições mais recentes, que começa a despertar no povo uma constatação do que é o governo de Jair Bolsonaro. É um governo que não tem empatia pelo sentimento humano, que ficou explícito no episódio da pandemia. Nunca é demais lembrar que ele começou chamando a pandemia de gripezinha, e hoje nós temos quase 170 mil brasileiros mortos pela covid 19. É um governo que destruiu nossa imagem internacionalmente, nunca o Brasil ficou como pária internacional como é hoje. Negacionista dos fatos da ciência, responsável pelo aumento indiscriminado do desmatamento na Amazônia, nossa região. Atentatório, opositor das instituições democráticas. O governo Jair Bolsonaro vai passar para a história como uma das páginas mais tristes, se não a mais triste, da história nacional. Eu rogo que todos os democratas brasileiros consigam construir uma unidade para nós superarmos isso”.