Uma muçulmana foi comprar pão perto de sua casa, no Parque Bristol (zona sul de São Paulo). Trajava o tradicional véu. No meio do caminho, cruzou com uma carreata de apoiadores de Jair Bolsonaro. Ao verem a mulher caminhando, pararam o comboio. Trinta desceram dos carros. Cercaram, agrediram e arrancaram o véu da moça.
Gritaram: “ Volta para a tua terra!”.
Ela: “Eu sou brasileira!”
Eles: “Aqui vocês não vão ficar. Nós vamos matar assim que o capitão for eleito. Vocês vão ver!”
É Hajj Mangolin que faz o relato do ataque, ocorrido em outubro. Integrante do Coletivo Muçulmanas e Muçulmanos Contra o Golpe, ele contou, em entrevista ao TUTAMÉIA (veja a íntegra no vídeo acima), que cinco fiéis muçulmanos foram agredidas por eleitores de Bolsonaro após o primeiro turno no Brasil.
“Eles são covardes, vêm em maioria para pegar o mais fraco, a mulher. A característica do fascismo é a covardia”, declara Mangolin.
O jornalista integra um grupo de muçulmanas e muçulmanos que se organizou já antes do impeachment –causado, essencialmente, pelos interesses em torno do petróleo brasileiro, avalia. “Grupos golpistas surgiram do nada com financiamento absurdo para intervir nas redes para destruir a indústria, os empregos e tomar o pré-sal”, diz.
Agora, na eleição, os muçulmanos estão divididos. Mangolin está com Fernando Haddad.

“É uma vergonha um muçulmano apoiar o Bolsonaro. É uma tristeza. Bolsonaro nega todos os preceitos do Alcorão. O Alcorão diz que não há diferença de raça, de nacionalidade, entre homem e mulher. Tudo o que o Alcorão fala essa pessoa contraria”.

E segue: “Ele deu uma declaração pública dizendo que o Brasil vai ser um pais cristão. [O que ele prega] é um cristianismo dos coronéis da fé, do Edir Macedo, do Malafaia. Essa gente que no tempo de Jesus eram os vendilhões do templo. Ele fala que quem não quiser que se mude e saia do Brasil. Diz para as minorias: ou se adaptem ou saiam daqui. O que ele está dizendo é: se você é muçulmano, do candomblé, judeu, budista aqui você não vai ficar. E se você é cristão e quer ficar aqui a cartilha é essa: a teologia da prosperidade, esse falso moralismo. Como um muçulmano pode apoiar um cara que é inimigo da religião dele, inimigo do Islã? É surreal. É inadmissível que um muçulmano apoie o Bolsonaro”.

Na entrevista, Mangolin fala de resistência e da união de várias religiões contra o fascismo e pela democracia. O grupo organiza nesta quarta-feira, 24 de outubro, caminhada em São Paulo. São católicos, evangélicos, budistas, candomblecistas, espíritas, judeus, muçulmanos, seicho-no-iê e umbandistas que saem da Casa do Povo (rua Três Rios, 252) em direção ao Memorial da Resistência (a concentração acontece a partir das 16h).
Nesse processo de organização, Mangolin destaca que “os judeus progressistas têm sido fundamentais”. Diz que, apesar das  diferenças –especialmente em relação à Palestina—fiéis das duas religiões estão fazendo o debate em prol da democracia.
“É sentar e dizer: estamos no mesmo barco; este barco está prestes a afundar. Vamos lutar juntos. A construção da resistência passa necessariamente pelas religiões. Nós, muçulmanos, temos a disposição de lutar de todas as formas, com todas as ferramentas disponíveis, para não deixar o fascismo tomar conta do Brasil. A nossa cabeça a gente só abaixa para Alá. A gente não vai abaixar a cabeça para o fascismo de jeito nenhum. Se acham que vão encontrar covardes, vão se dar mal. Vamos resistir e lutar”.