“Os últimos anos vieram a produzir uma ascensão do anti-intelectualismo, a começar por uma aversão aos fatos, à ciência e à lógica. Os adversários da vacinação, aqueles que negam a mudança do clima e até os proponentes da ideia de que a Terra é plana estão em ascensão. Parte do motivo para isso é a promoção do raciocínio confuso como uma afirmação política positiva. Todas aquelas pessoas que foram ensinadas na escola que falta qualquer base às suas convicções e que suas opiniões estão repletas de falácias lógicas agora podem se unir na ignorância compartilhada, mas disfarçada em conservadorismo. E, unidas, elas podem expressar seu desprezo pelos pensadores da “elite”.”

Essa é a advertência e o alerta que faz Kareem Abdul-Jabbar, um dos maiores atletas dos Estados Unidos em todos os tempos e uma lenda do esporte mundial. Foi seis vezes campeão e seis vezes considerado o melhor jogador da temporada na NBA, a liga norte-americana de basquete.

Nascido em 1947 e batizado como Ferdinand Lewis Alcindor Jr., Kareem converteu-se ao islamismo em 1968 –ano em que se recusou a participar da seleção norte-americana nos Jogos Olímpicos do México em protesto contra o racismo nos Estados Unidos. Escritor e ativista, recebeu do então presidente Barack Obama a Medalha da Liberdade em 2016, homenageado por sua carreira esportiva e sua atividade em defesa da justiça social e dos direitos civis.

Em sua condenação ao anti-intelectualismo registrada em artigo publicado originalmente no britânico “Guardian” e em português na “Folha” deste sábado (20.4, leia a íntegra clicando aqui), Kareem afirma também:

“O presidente Trump é a figura de proa na celebração do pensamento irracional como ato de patriotismo. Ele é o sujeito que incita as massas na taverna, instigando um frenesi que leva a linchamentos. A cada vez que acontece uma tempestade de neve, ele comenta que isso é prova de que o aquecimento global não existe. E continua a fazê-lo ainda que os cientistas especializados expliquem que existe uma vasta diferença entre o mau tempo e o clima em longo prazo. Da mesma forma que suas explicações sobre o “carvão limpo” mostram completa falta de compreensão sobre o que o termo poderia significar.”

E segue:

“Essa forma de pensamento desordenado levou à remoção de proteções da Agência de Proteção Ambiental (EPA), a ataques ao acesso de eleitores às urnas e à corrupção política aberta e impune. A lição que nossos filhos recebem é: ignore os fatos e as provas caso eles discordem daquilo que os beneficie pessoalmente. Mesmo que isso signifique que todo o mundo mais sofrerá. Ironicamente, essa é a lição oposta ao que o esporte ensina às crianças sobre a necessidade de sacrifício para o bem do time. Essa é a filosofia dos adversários da vacinação, que justificam sua tolice recorrendo a falsa ciência e a médicos desacreditados. De repente, eles sabem mais que os cientistas que pesquisam o assunto há anos, mais que as estatísticas que demonstram claramente que o sarampo havia sido praticamente eliminado até que as ações deles permitiram que voltasse a se espalhar.”

Esse tipo de pensamento tem consequência danosas, maléfica para a sociedade, alerta o ex-atleta: “O sarampo agora está em alta e mata pessoas em todo o mundo. Os médicos afirmam que, se a tendência atual persistir, 2019 pode produzir o pior surto de sarampo em décadas nos Estados Unidos. Qual é o critério dessas pessoas para rejeitar ou aceitar as opiniões médicas? Será que elas ficam olhando por sobre os ombros de um cirurgião, durante a cirurgia cerebral de alguém que lhes seja próximo, e instruem o médico sobre o que fazer? Como aqueles cidadãos do “senso comum” que negavam ruidosamente a existência dos germes, os benefícios da penicilina ou as provas quanto ao DNA, esse anti-intelectualismo pode resultar em doença, morte e acorrentamento do progresso social.”

Há ainda consequências políticas, reflete Kareem em seu artigo:

“Devemos manter uma atitude de ceticismo saudável com relação a especialistas, porque as provas apontam que eles nem sempre têm razão. Mas ceticismo é diferente de acreditar em teorias de conspiração absurdas. Ceticismo significa exigir provas obtidas com o uso do método científico (a atitude que permitiu que surgisse o Iluminismo).

“Em lugar disso, temos o que os psicólogos definem como Efeito Dunning-Kruger, sob o qual pessoas de baixo conhecimento supõem que suas opiniões são superiores às dos especialistas. Elas gostam de se vangloriar de seu “senso comum” inato, que ao longo da história sempre provou ser o pior tipo de senso.

“Pior: porque rejeitam a lógica, os políticos dirigem a elas uma barragem constante de asneiras emocionais, com o objetivo de inflar seus egos sem desafiar suas mentes. As pessoas são iludidas e votam da maneira que lhes é ordenado, mas pensando que são independentes.”