por Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

Aos 85 anos de vida, 65 anos de carreira e hoje lançando um disco autoral depois de um hiato de 25 anos, Carlos Lyra, ainda mais compromissado com seus sonhos, suas composições e seus arranjos, ressurge revigorado em Além da Bossa (MCK – independente).

Lyra está feliz. Seu álbum é o reflexo do requinte alegre e maduro que ilumina sua música. Que lhe permite enfrentar o futuro protegido por seu passado e presente. Sua serenidade, somada à certeza de ser ainda hoje um dos caras mais importantes que a música popular brasileira tem, é a sua fortuna.

Algumas das músicas ora gravadas estavam guardadas numa gaveta qualquer de sua alma; outras são inéditas. Todas reforçam a certeza de que Carlos Lyra é a síntese de uma era que vem desde a segunda metade do século 20, embrenhando-se pelos anos 2000.

Começando a conversa: a realização do CD esteve em mãos competentes, sua companheira e empresária Magda Botafogo e o produtor Alex Moreira, guardiões do destino musical desejado de Lyra.

Como é bonito ver instrumentistas e arranjadores consagrados que, ao sentir qual era o anseio de Carlos Lyra, deram-lhe seus melhores atributos, multiplicando sua felicidade. Cada arranjo é uma obra de arte.

A inédita “Além da Bossa” (CL e Daltony Nóbrega) abre a tampa. Marcos Valle divide o arranjo com Lyra. Flauta (Dirceu Leite) e trompete (Jessé Sadoc) brilham, e junto com piano (Marcos Valle), baixo acústico (Adriano Giffoni), batera (Ricardo Costa) e violão (Flavio Mendes), têm a primeira chance de fazer do álbum um trabalho à altura da pluralidade almejada por Carlos Lyra.

“Belle Époque” (CL e Ronaldo Bastos) é outra inédita. Um quarteto de violinos (Carlos Rincon e Luca Kevorf), viola (Clara dos Santos) e cello (Marcus Ribeiro), mais clarinete e clarone (Dirceu Leite), piano (Itamar Assiere) e acordeom (Marcelo Caldi), integram o grupo que, num arranjo que o violonista Flavio Mendes divide com Lyra, reforça a boniteza da música.

Também inédito, o sacudido “Na Batucada” (CL) tem arranjo de Jessé Sadoc e Carlos Lyra. Além do piano de Fernando Merlino, a formação instrumental conta com os mesmos músicos de “Além da Bossa”. Suingado que só ele, o samba deita e rola.

Composta por Lyra, imaginando que o rei Roberto Carlos a gravaria – mas o lance não rolou, e “Achados e Perdidos – Samba da Breca” (CL) ficou inédita. Até que, com arranjo de CL e Jessé Sadoc, contando com os mesmos músicos dos arranjos de “Além da Bossa” e “Na Batucada”, o samba de breque esquentou a letra alegre e bem-humorada.

Fechando a tampa, “Tango Suburbano” (CL e Paulo César Pinheiro) tem Lyra cantando com emoção e força impressionantes – aliás, além da bossa, o seu cantar é vibrante… comovente.

Enfim, Carlos Lyra realizou a vontade que sonhou e alimentou: gravar um disco plural, que não se pudesse rotular, mas sim florescer em toda a diversidade que pulsa no peito de um homem feliz.

Carlos Lyra e sua inquietude são sinônimos de música popular brasileira.