A Polícia Militar de Minas Gerais, a mando do governador Romeu Zema, promoveu uma verdadeiro “show de horrores” durante a reintegração de posse de parte do terreno ocupado pelo acampamento Quilombo Campo Grande, no sul do Estado. É o que denuncia Kelli Mafort, da direção nacional do MST, em entrevista ao TUTAMÉIA.

Ela contou em detalhes a ação violenta e criminosa da polícia durante o processo de despejo de seis famílias, que incluiu também a destruição de plantação e a derrubada da Escola Popular Eduardo Galeano. Houve uso de gás de pimenta, bombas de gás e truculência; chegaram ao cúmulo de usar um helicóptero voando baixo para espalhar cinzas e poeira em direção aos assentados.

Ao longo desses dias de tensão, a Polícia Militar tentou por diversas vezes avançar sobre uma área maior do Quilombo Campo Grande –não incluída na ação de reintegração de posse. Não tiveram sucesso nisso.

Em contrapartida à violência policial, os trabalhadores sem terra foram também abraçados por uma enorme corrente de solidariedade, nacional e internacional. A mobilização para denunciar as arbitrariedades movimentou as redes sociais: por várias horas, nesta sexta-feira, 14.08, o despejo foi ao assunto mais comentado no Twitter no país e um dos 25 mais comentados no mundo.

“Ninguém nem conhecia Romeu Zema. Agora ele inscreveu seu nome ao lado de Bolsonaro como um genocida”, diz a dirigente do MST (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Sem terra protestam contra ação da PM, que provocou tocou fogo na plantação e destruiu uma escola no Quilombo Campo Grande -fotos Divulgação/MST

Ela contou que, na manhã deste sábado (15.8), já não há mais nenhum preso –quatro pessoas haviam sido detidas na tarde de ontem—e também nenhum sem terra hospitalizado. As famílias despejadas foram acolhidas pelos acampados na outra gleba, maior, onde moram cerca de 450 famílias.

Em todo o quilombo, há 1.200 hectares de lavoura de milho, feijão, mandioca e abóbora, 40 hectares de horta agroecológica e 520 hectares de café, segundo levantamento do movimento, além de centenas de casas, currais e quilômetros de cerca. O terreno ocupado gera trabalho e renda para cerca de 2 mil pessoas. Um dos destaques da produção é o café Guaií, de qualidade reconhecida internacionalmente.

Os sem terra seguem na resistência e preparam medidas jurídicas contra ação policial e contra o governo Zema. “Estamos fazendo dossiê de tudo o que aconteceu nessas sessenta horas. São muitos aspectos, muitas violações, muitas naturezas de violação dos direitos humanos”.

Cita, por exemplo, os riscos sanitários a que as famílias de assentados e os próprios policiais foram expostos ao realizar uma ação desse tipo em plena pandemia. Efetivo policial foi deslocado: “Em uma situação de conflito, como a que o próprio governador colocou os funcionários do Estado, não há como observar todos os cuidados. Foi irresponsabilidade do próprio governador”.

Pior ainda do lado dos assentados: “As famílias estavam cumprindo distanciamento social, mesmo nas atividades produtivas. Tudo isso foi quebrado: elas tiveram de se juntar para se proteger, gritar palavras de ordem, compartilhar água, dividir comida, trocar talheres. Foi um absurdo o que aconteceu ontem”.

“O governo Zema propôs que as famílias desalojadas fossem levadas para um povoado próximo, que é dos principais focos de infecção da covid 19. É um show de horrores, uma irresponsabilidade muito grande”, reforça Mafort.

Kelli Mafort, da direção nacional dop Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – foto arquivo pessoal

Ela destaca ainda o processo de reintegração de posse desrespeitou resolução do Conselho Nacional de Justiça, que determinou que não houvesse despejo durante a pandemia.

O que casa com a política que vem sendo desenvolvida pelo governo Bolsonaro, na avaliação da dirigente do MST: “Bolsonaro é um projeto. Tem a política de exterminar uma parte significativa dos mais pobres, dos negros, dos periféricos, dos militantes sociais. Eles vêm colocando esse plano em prática. Na pandemia, a ação do governo é “e daí?” mesmo: deixar morrer é um projeto. Nós precisamos nos organizar para enfrentar isso. Não tem política para salvar as pessoas. A política é de mortandade mesmo, mas uma mortandade praticada pelo Estado”.

A resposta, diz Kelli Mafort, é seguir em frente: “Mesmo diante de tantas adversidades, a gente precisa seguir firmes e esperançosos, porque a gente só faz mudanças se a gente tem esperança, organização e luta. Não adianta só ficar chocado, consternado com a realizada. É preciso que a gente se organize e lute. E nosso povo espera isso da gente”.

Religiosos fazem visita de solidariedade ao acampamento Quilombo Campo Grande na manhã deste sábado 15.08

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Publicamos a seguir fala de JOÃO PEDRO STEDILE, da direção nacional do MST, pronunciado na reunião virtual citada por Kelli Mafort na entrevista ao TUTAMÉIA.

DISCURSO DE JOÃO PEDRO STEDILE NO PAINEL REFLEXÕES SOBRE O BRASIL: CRISE, DEMOCRACIA E DIREITOS

“Boa noite companheiros e companheiras.

Estou aqui muito feliz, apesar de ter sido um dia duro, com a presença de todos vocês. Vocês sabem que nós inventamos esse ato no espírito da Escola Nacional Florestan Fernandes…

Sempre que começamos um ano letivo, convidamos personagens para dar aula lá.

E ficamos muito felizes com a aceitação dos nosso ministro Gilmar Mendes, que de certa forma, então, está nos visitando na nossa Escola…

Ministro… E agradeço!

E o nosso auditório lá na Escola se chama Patativa do Assaré, o maior dos poetas camponeses brasileiros. Que estará ouvindo também o senhor…

Nós estamos aqui na Escola então, que completa 15 anos, protegidos pelos pensamentos do nosso querido Celso Furtado, Florestan Fernandes, que nessa semana que passou fariam 100 anos… Que são grandes pensadores que são as referências do projeto de país que o MST defende.

E agradecendo também a presença de tantos operadores do direito. Quero evocar a proteção para vocês do meu querido Raimundo Faoro, que o destino me fez seu primo. E espero que o Raimundo, o grande Raimundo, lhes transmita sabedoria e coragem para poder defender a senzala.

Bem, aqui, como é de praxe na nossa Escola e nos nossos eventos… Essas são as contradições da pandemia, nós nunca teríamos tido condições de leva-los todos ao mesmo tempo, mais de 800 personalidades, na nossa escola, no nosso movimento.

Espero que em algum momento vocês possam participar fisicamente, inclusive o nosso ministro, e todos os ministros do STF, que não temos preconceito com nenhum deles.

Então, como é de praxe da nossa escola e do nosso Movimento, me deram aqui a tarefa de dizer algumas palavras iniciais que vai naquele espírito de… bom sempre que a gente recebe visita em casa a primeira pergunta que o visitante faz é  “e o que você está pensando disso?”, “e o que você está pensando daquilo?”, “o que você está plantando nessa safra?”… Né?

Então eu queria assumir esse papel, que os companheiros me deram o privilégio, de compartilhar com vocês o que nós estamos pensando sobre esse tema: o desafio do Brasil nessas circunstâncias de pandemia.

Primeiro, nós fazemos uma leitura, que é comum em todos os intelectuais, academia e movimentos, de que o Brasil vive sua pior crise em toda sua história, porque aglutinou num mesmo período uma crise econômica, que se transformou em uma crise social, uma crise política, depois que eles deram o golpe na Dilma sem motivos, uma crise ambiental, por todas as agressões que o capital vem fazendo contra os meios da natureza, e agora estamos também enfrentando uma crise de saúde pública com mais de 110.000 brasileiros mortos. É como se a bomba de Hiroshima tivesse caído sobre nós. Não precisávamos ter tantos mortos, e aí a crise. Porque outros países da mesma dimensão territorial, populacional e de PIB, enfrentaram a pandemia com menos, muito menos, custo social.

Então, se a crise é grave e estrutural, isso vai nos impor a todos que estão aqui na sala, uma reflexão de como é que nós vamos sair desse, e ninguém vai se salvar sozinho.

Aqui nós teremos que pensar a sociedade brasileira. O Brasil como nação.

Bem, no entanto, infelizmente, também estamos enfrentando uma situação anômala porque o governo federal é composto por um sujeito que adota métodos fascistas de governar, que prega o ódio, que quer destruir os adversários, que não aceita a democracia, que fica ameaçando com ‘golpezinhos’ aqui e ali, e é o responsável direto por essas mortes que estão acontecendo. Por isso nos somamos, inclusive cumprimento a coragem do ministro Gilmar Mendes quando qualificou esse governo de irresponsável e chamou a atenção pras forças armadas que estão tutelando esse governo, serão responsabilizados também pela história. Por que no outro governo democrático nós não teríamos esse custo social e esse sofrimento.

Não bastasse isso, que já é gravíssimo, a gente sabe como eles tem dito abertamente “vamos passar a boiada pra entregar todos os bens da natureza” que não é do governo. Ta lá na constituição, é patrimônio da união, do povo. Estão tentando privatizar ao máximo… Das florestas, das terras públicas do Amazonas, dos minérios.

Bem, infelizmente, nos falta uma burguesia nacional, como diria Florestan Fernandes. Porque as elites brasileiras que todo dia falam pela Globo ou pela Folha de São Paulo, botaram focinheira no capitão, apostando que acalmando ele, seguirá imune, impune o projeto real do capital no Brasil que é essa política ultra neoliberal, que tira direitos dos trabalhadores, privatiza as estatais, e subordina os interesses do nosso povo e da nossa nação ao governo Trump dos Estados Unidos que chega a ser patético, ridículo, esse subcolonialismo do atual governo. Mas essas elites estão apostando que é possível controlar o capitão e ao mesmo tempo acelerar o seu projeto que é o projeto do capital. Mas eles não se dão conta dessa contradição… Meu Deus do céu…

Que quanto mais eles aplicarem políticas econômicas neoliberais, ultraneoliberais, maior vai ser as consequências na economia e no social.

Eles não tem nenhum compromisso. Nem com a fome, nem com o desemprego, nem com a baixa renda do nosso povo. E isso inviabiliza o próprio capitalismo.

Nunca tivemos uma elite tão ignorante, no sentido de não conhecer os destinos da sua própria nação.

Bom, diante desse cenário, que tá aí… Podemos divergir de nuances, mas essa é a conjuntura, essa é a realidade.

Qual tem sido as posturas das forças populares, que muito deles estão aqui na nossa sala, e agradeço; João Paulo já agradeceu, as nossas centrais sindicais, os nossos movimentos populares, movimentos de mulheres, as igrejas que tem começado a se levantar. Nós nos constituímos nesse conjunto de forças populares numa Campanha Nacional Fora Bolsonaro.

Por que? Porque o centro da disputa política hoje, para salvar vidas, não é possível com esse governo.

Então o ponto zero de qualquer tática política hoje é Fora Bolsonaro.

Para nós reconstruir uma aliança de classes que possa, diante da tamanha realidade da crise, construir pontos, como disse nosso mestre Celso, que consiga transitar a nossa nação não pagando um preço tão alto.

Bem, então essa convergência de tantas forças populares, que não é só centrais sindicais e nem movimentos, nós temos ai as igrejas, todo esse campo jurídico que está aqui muito bem representado, os intelectuais, os músicos, todos estamos com mais ou menos a mesma leitura do que fazer. E, também advogamos, como parte do plano de emergência que foi apresentado, que é preciso garantir os programas de emergências, mesmo pagando salário com o dinheiro público, para as pequenas e médias empresas pagarem a folha de pagamento e deixarem os trabalhadores em casa. Se não a pandemia vai aumentar cada vez mais o seu custo.

Portanto nós defendemos o emprego e a renda desses trabalhadores.

Nós somos contra esse programa de privatização. É um assalto ao patrimônio público. Quem é que deu procuração pra eles privatizarem a Petrobras? Quem deu procuração pra eles privatizarem a água? A Cesp? Meu Deus do céu. E a Caixa? E o Banco do Brasil? E eles ficam se exibindo ainda… O tal do Guedes, que é um banqueiro, fica dizendo “o Bando do Brasil está prontinho para ser privatizado”… Quem é tu, Guedes? O Banco do Brasil é do povo brasileiro. Se quiser faça um plebiscito popular pra ver qual é a opinião do povo sobre privatizar o Banco do Brasil, privatizar a Caixa Econômica. Mas não se aproveite dessa economia para cometer mais crimes contra o povo brasileiro.

Assim como nós somos contra, e defendemos o que já está na normal do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, despejo zero. E me alegra que o ministro Fachin, inclusive, deu uma liminar para um caso aqui em São Paulo suspendendo o despejo. Coisa que o governador de Minas Gerais, seu Zema, que só pensa em dinheiro e não teve a mínima sensibilidade social, e hoje durante todo o dia botou 300 soldados agredir 450 famílias lá no sul de Minas. Colocando em risco a vida dos soldados e a vida das nossas famílias, já que Minas Gerais é um dos estados mais atingidos pela pandemia.

Nós não podemos ficar calados. Como ta no evangelho “se calarmos, as pedras falarão” diante disso.

E por isso somos contra, frontalmente, a qualquer ação de despejo contra nós, contra ocupações urbanas, e que se busque saída para esses conflitos. Conflitos sociais são da natureza da sociedade capitalista desigual. Agora, a solução não é a repressão. A solução é o diálogo, a negociação, é o encontro sobre isso…

Também achamos que é um crime a pressão que os capitalistas de escolas privadas estão fazendo para as voltas às aulas. Querem expor as nossas crianças… Francamente. Francamente, diria o meu querido Leonel Brizola. Francamente… Onde é que nós chegamos…

Nós vamos insurgir, não vamos deixar voltar as aulas. Eles se quiserem cobrar mensalidades das escolas privadas, que cobrem com seus afilhados. Mas as escolas públicas não devem abrir, não podemos colocar em risco nossas crianças e os avós das crianças com quem elas vão voltar, depois.

E, finalmente, nós queríamos dizer também que esse conjunto de forças populares temos defendidos. E é claro que os problemas que o Brasil tem não terminam com o Fora Bolsonaro, nem com as eleições de 2022. Então nós temos obrigação, nós que estamos aqui com as responsabilidades sociais que temos, de discutir um outro projeto pro Brasil.

Um outro projeto que tire nossa economia da crise, que resolva os problemas fundamentais do nosso povo. Quais são os problemas fundamentais do nosso povo? Trabalho, renda, escola, moradia, terra e alimento. É tão simples e tão bom, seria, nós fazer um projeto popular no Brasil, né?

E isso vai depender da inteligência e da capacidade de todos que estamos aqui. Finalmente, para não aborrecê-los, porque todos queremos ouvir o ministro Gilmar, quero dizer aqui que como MST, vocês são nossas testemunhas e muito de vocês nossos advogados… Então, vocês sabem, como MST, nós vamos seguir o nosso ideário, o nosso programa que é, em primeiro lugar, produzir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, e agora em tempos de pandemia, levar esses alimentos ao nosso povo.

Aliás, fica aqui uma provocação: vocês viram algum caminhão, de alguma fazendo de agronegócio, chegando em alguma periferia para entregar alimentos? É claro, eles não podem fazer isso, eles não produzem alimentos, eles só produzem lucro. Só produzem commodities, pra exportação… Eles estão mais preocupados com a China do que seus vizinhos pobres de Paraisópolis.

Mas nós vamos seguir o nosso ideário, produzir alimentos saudáveis, adotar a agroecologia como uma matriz tecnológica, venderemos a natureza, a qualidade da água, e achamos, como disse já Kelly, que a reforma popular que nós advogamos, ela tem tudo a ver com as saídas necessárias para essa crise. Porque só uma Reforma Agrária vai poder garantir emprego a milhões de brasileiros, que hoje moram em periferias. Só uma Reforma Agrária pode garantir trabalho, pode trazer moradia e alimentos para todo mundo.

Bem, desculpe por ter me estendido. Renovo as boas vindas para cada um de vocês, nossos governadores, nossos deputados, sejam todos bem vindos e bem vindas a nossa Escola, e agora ouviremos nosso convidado especial, nosso querido ministro Gilmar Mendes. Grande abraço a todos.”