“É preciso que as pessoas não comecem a celebrar essas quedas [no número de mortes por Covid] que a gente está vendo na TV todo o dia. É um patamar muito alto. Não dá para comemorar e sair abrindo. De jeito nenhum! Cidades voltando ao normal como se a pandemia tivesse acabado e realmente não é o caso. 2021 vai ser pior do que 2020. 2022 depende do que vai ser feito nessa segunda metade de 21. A velocidade da vacinação é muito aquém do esperado porque a gente não comprou as doses. Tem a variante Delta. Em 2022 a gente tem a chance de fazer os que os EUA fizeram: mudar o rumo da pandemia nas urnas”.

O alerta é da demógrafa Marcia Castro em entrevista ao TUTAMÉIA. Chefe do departamento de Saúde Global e População da universidade de Harvard (EUA), ela acaba de completar estudo que quantificou a queda na expectativa de vida ao nascer no Brasil. Efeito da pandemia e da demolição de políticas públicas, a pesquisa mostrou uma redução de 1,3 ano em 2020.

“Houve uma queda significativa. O Brasil deveria ter ganho, se não tivesse a pandemia, ponto 4 ponto 5 meses. E perde 1,3 ano. A perda é muito maior em alguns estados. No Amazonas, foi de 3,5 anos. Considerando o ganho que o Brasil teve em expectativa de vida nas décadas entre o ano 2000 e o esperado em 2020, o Brasil perde quase 20% desse ganho”, afirma.

Ela acrescenta:

“Considerando os 4 primeiros meses de 2021, a perda no Brasil já é de 1,8 ano. 2021 vai ser pior do que 2020. É sério. É uma redução muito drástica, com esse excesso, essa mortalidade extremamente elevada que a gente tem. De 1945 até 2000, o Brasil ganhou em média 5 meses de expectativa de vida ao nascer por ano. Essa era a tendência. Com diferenças, todos os Estados estavam ganhando. Uma trajetória muito boa e muito rápida. Ao invés de continuar nessa trajetória, a gente reduz 1,3 ano. É uma diferença grande. A gente deixa de ganhar esses cinco meses e perde 1,3 ano”.

Marcia lembra que quando da gripe espanhola, no início do século 20, também houve redução na expectativa de vida, mas com uma rápida recuperação, especialmente nos EUA. “Em 1919, a expectativa de vida já era maior do que em 2017. No Brasil, essa retomada não vai ser rápida. Primeiro, porque 2021 vai ser pior do que 2020. Além disso, há a volta da fome, a crise econômica. Já há evidências mostrando uma piora nas condições de saúde das pessoas com diabete, por causa da ruptura da atenção básica que a gente viu acontecer. Procedimentos foram retardados ou não foram feitos, exames de rotina. Caiu o número de mamografias. Tem sequelas da Covid que podem antecipar a mortalidade”.

Ela enfatiza:

“Há uma demanda maior por serviços de saúde no momento em que o SUS está desvalorizado, subfinanciado. Essa retomada no Brasil não vai acontecer de jeito nenhum. É como se tivéssemos uma quebra na tendência que a gente tinha de melhoria da expectativa de vida. Essa piora nas condições de vida não é uma piora para todo mundo. Ela carrega uma desigualdade que afeta desproporcionalmente exatamente os mais vulneráveis. Num contexto de agora, em que a agenda do governo nem tem a palavra desigualdade, é uma situação muito pouco provável que a gente consiga retomar a trajetória de redução de mortalidade que a gente tinha antes da pandemia.

Nesta entrevista (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV), Marcia Castro fala da evolução da pandemia do Brasil, dos erros do governo, de medidas que precisam ser tomadas e de do papel dos cientistas para disseminar informações verdadeiras e tentar bloquear o festival de mentiras promovido pelo governo Bolsonaro.

“Os problemas que vêm dessa administração não são apenas não ter feito o que tinha que ter sido feito, mas fazer a coisa errada. É uma combinação do não fazer e do fazer o que não tem que ser feito. Essa combinação é fatal, e a gente está contando essa consequência em número de vidas”.

A professora de Harvard aponta fatores anteriores à pandemia para a deterioração do quadro sanitário do país. A lei do teto de gastos, lembra ela, já provocou redução na vacinação, fechamento de postos de saúde nos finais de semana, diminuição no atendimento com o fim do programa Mais Médicos, subfinanciamento do SUS.

“Quando a pandemia começa, o SUS está bem prejudicado. Nunca foi objetivo desse governo valorizar o SUS”, afirma.

Sobre o futuro, diz Marcia Castro:

“A população está cansada. As manifestações estão ficando maiores e maiores. Não precisa mais nada para todo mundo ver que não tem como o Brasil aguentar mais quatro anos desse governo. A gente está voltando para um momento que é muito pior do que o dos anos 1980. Não dá para a sociedade aguentar mais isso. Principalmente porque agora a gente tem outros níveis de desigualdade, outros desafios urbanos do que em 1980. Eu não acho que a população vá aguentar isso de jeito nenhum. Isso a gente começa a ver nos protestos e eles vão continuar acontecendo. Espero que a voz do povo seja ouvida e que ela se manifeste nas urnas. É preciso ir votar e fazer a mudança acontecer”.