“O que nós temos aqui é um golpe em andamento. Não precisa ter um ato disruptivo, não precisa uma ruptura para ser consumado. Por mais fracas que tenham sido em Brasília as manifestações, por mais ampla que tenha sido a rejeição a Bolsonaro –há recordes de rejeição nas últimas pesquisas–, seria um equívoco estratégico não reconhecer o que aconteceu nas jornadas de hoje.

O alerta é feito pela jurista Carol Proner, falando ao TUTAMÉIA horas depois do discurso de Jair Bolsonaro na avenida Paulista, neste Sete de Setembro, quando o presidente da República afirmou que não mais iria obedecer às decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e fez uma série de ataques às instituições democráticas do país.

Doutora em direitos humanos pela Universidade Pablo de Olavide, da Espanha, e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, ela afirma:

“Nós estamos diante de algo realmente grave. É a preservação do componente da instabilidade, que vem sendo cultivado todos esses anos desde a posse, calibrando o adiamento de um sempre possível autogolpe. Isso vem sendo prometido desde a posse, desde a posse ele promete o autogolpe. Essa expectativa de uma ruptura atormenta o que resta de democracia. Se não acontece hoje, pode acontecer amanhã. Ele fala palavras ao vento, mas já cria um quadro de instabilidade. É uma estratégia pensada para cultivar a desestabilização, que é, em si, um tipo de golpe, uma forma de preservação de um novo tipo de golpe.”

São palavras e ações que não devem ser subestimadas: “Sou daquela turma que discorda que os atos pró-Bolsonaro tenham sido um fracasso. Temos de ser muito sinceros e realistas até para poder fazer a medição de forças e do que está acontecendo neste momento”, diz a jurista (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Ao mesmo tempo, ela aponta o valor das manifestações contra o governo, em defesa da democracia: “Merecem importante destaque e nosso reconhecimento as brasileiras e brasileiros que foram às ruas defender a democracia. Tivemos quase 160 atos espalhados pelo país. Embora não tenham alcançado a dimensão do que aconteceu na Paulista, embora tenham sido menores em número de participantes, foram muito vigorosos –principalmente o Grito dos Excluídos–, demonstrando que estamos nas ruas. É o que temos de fazer: não nos deixar intimidar por esse processo que, antes de tudo, foi uma tentativa fortíssima de desestabilização e de intimidação que estamos vivendo há mais de dez, quinze dias”.

A tensão do período que antecedeu as manifestações bolsonaristas foi percebida no exterior, destaca Proner: “Foi tão grave, foi tão tenso, se sentia claramente uma ansiedade, um desassossego. Isso foi sentido também internacionalmente. O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos chamou a atenção, a Corte Interamericana também alertou, centenas de líderes políticos e personalidades internacionais, em manifesto, compararam as ameaças no Brasil como o que aconteceu no Capitólio, com os trompistas nos Estados Unidos. A pergunta que vem de fora é quando é que vai haver golpe, se vai haver golpe finalmente, se tem um autogolpe no caminho”.

Há uma escalada nos ataques à democracia: “Militantes fascistas ameaçaram invadir a sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Há o discurso que culmina o dia, discurso grave, de ruptura realmente, de incitação à ruptura democrática, diante de milhares de apoiadores na avenida Paulista”.

Ela responde aos que dizem que, com o pronunciamento na Paulista, Bolsonaro finalmente caiu na ilegalidade: “Para mim, não. Ele vem estando em ilegalidade há muito tempo. As denúncias de crime de responsabilidade, inclusive com esse argumento de desestabilização dos poderes, estão em praticamente todos os pedidos de impeachment. O artigo quarto da lei 10079 diz que é um crime de responsabilidade quando o presidente da República age contra o livre exercício do poder legislativo, do poder judiciário, dos poderes constitucionais do Estado. O que fez Bolsonaro se não violar francamente esse artigo quarta da lei 10079?”

Um caminho que tem o apoio de forças estrangeiras, diz Proner, lembrando o recente encontro da cúpula bolsonarista com Jason Miller, ex-estrategista de comunicação de Trump: “Essa desestabilização tem um componente internacional, de fora. Não é espontânea, tem uma programaticidade, tem um grau também de ingerência externa”.

O resultado é uma democracia claudicante, na avaliação da jurista: “As instituições funcionam às meias. Há instituições que funcionam e outras que não. Não há dúvida de que o ministro Alexandre Morais, que tem sido alvo de Bolsonaro e foi citado nominalmente no discurso, tem feito ações importantes para tentar responsabilizar os crimes cometidos contra a democracia e punir os extremistas. Também é necessário dizer que há instituições que funcionam sem funcionar, funcionam para não funcionar. É o caso do presidente da Câmara, que já tem quase cento e cinquenta pedidos de impeachment, e ele não encaminha nenhum. E Augusto Aras, que já está sendo chamado de instaurador geral de procedimentos da República. Procedimentos arquivados. É o descrédito da função constitucional da Procuradoria Geral da República. O fato é que Jair Bolsonaro segue blindado para cometimento de crimes comuns e também crimes políticos. Ele dobra a aposta, triplica a aposta porque justamente está blindado pelas instituições.”

Em resumo: “O dia 7 serve de balanço para que possamos avaliar o papel de cada um, de cada instituição que funciona –ou que funciona sem funcionar – na manutenção dessa instabilidade democrática. Essa instabilidade é que está gerando esse arroubo, essa dobra de aposta, que traz consequências graves, gravíssimas”, conclui Carol Proner.