“A situação é catastrófica. O Brasil hoje vive uma catástrofe sanitária, com um governo totalmente irresponsável, que não tem o menor apreço pela vida da população. Ao contrário, faz o que pode para praticar todos os atos para realmente desproteger a vida da população e criar caos e confusão. É isso que a gente tem visto: uma comunicação propositalmente errática, para difundir desagregação, confusão no meio de toda a população. São 161 mil mortes. A esmagadora maioria desses casos era evitável”.

A avaliação é da médica sanitarista Lucia Souto, presidenta do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) em entrevista ao TUTAMÉIA, na qual tratou da evolução da pandemia, dos ataques ao SUS, da mobilização da sociedade e das perspectivas para os próximos meses (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Para Lúcia, “o governo está provocando mortes evitáveis e é o responsável por essa catástrofe sanitária”. Ela compara o Brasil com a China. O país de um bilhão e quatrocentos milhões de habitantes contabilizou 4.500 mortes por causa da pandemia. O Brasil, com um sétimo daquela população, registra mais de 61 mil mortes. Ela lembra também dos casos do Vietnã e da Nova Zelândia, ambos exitosos no combate à covid. “A chave para o sucesso no enfrentamento à pandemia foi a união do país, alinhar governos estaduais, prefeituras, criar uma grande força nacional para o enfrentamento. Aqui o governo não só não fez isso, como criou confusão o tempo inteiro, com governadores, prefeitos”.

“O governo se eximiu da responsabilidade de liderar o país no enfrentamento à pandemia. Não uniu o país em torno desse enfrentamento. Criou uma falsa oposição entre a quarentena e a questão econômica. Todos os países que conseguiram enfrentar o vírus compreenderam de cara que era importante ter medidas robustas de proteção social. Aqui, o auxílio emergencial só foi viabilizado por conta das oposições e do Congresso. E ele vai acabar”, assinala.

A médica, doutora em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, ressalta que a crise, já anterior à pandemia, tende a se agravar. “Temos 13 milhões ou mais de desempregados. Pode chegar a 19 milhões, 20 milhões. Temos 40 milhões de trabalhadores precários. Temos uma crise sanitária, social, política, econômica e ambiental”.

Segundo Lúcia, o Brasil precisa de uma autoridade sanitária democrática. “Este governo não ouve ninguém. É um projeto para meia dúzia de bilionários, o 0,01% da população”. Nesse projeto, ela insere a proposta de privatização do SUS, que está posta desde o golpe de 2016, que derrubou Dilma Rousseff. “A ponte para o futuro era uma pinguela para o passado. A destituição de direitos é gravíssima. O Brasil vive uma era quase da escravidão. O Brasil não se livrou de sua matriz escravocrata. Este é o país da escravidão: não tem direito; é trabalho precário”.

Na sua análise, o que vivemos é o “retrato de um projeto fracassado; é um retumbante fracasso”.

Apesar da situação dramática, ela afirma:

“Tem que ter esperança. A gente pode. O Brasil é muito maior do que a tragédia que a gente está vivendo. É preciso acreditar no Brasil, acreditar e ter esperança de que um outro mundo é possível. Um mundo onde as pessoas tenham direito à saúde, à felicidade, ao bem estar, a emprego, direito à renda. Uma sociedade que possa proporcionar a todos nós uma alegria de viver e um pouco de paz. Como diria Victor Jara, o direito de viver em paz. É isso que nós precisamos: paz e felicidade. E luta, muita luta”.