Buzinaço, panelaço, gritaria de felicidade. Da janela do seu apartamento em Nova York, o historiador norte-americano James Green acompanhou a comemoração que tomou conta das principais cidades dos Estados Unidos logo após o anúncio da vitória de Joe Biden sobre Donald Trump. Era o início da tarde de sábado, 7 de novembro, e ele soube que a irmã, que estava de regime, resolveu sair para comprar sorvete para festejar. E que o irmão, não muito radical, estava muito contente. “Está todo mundo feliz hoje. As pessoas não aguentavam mais o cara, estavam de saco cheio. É nacional”.

Green interrompeu a comemoração para falar com TUTAMÉIA sobre o significado da vitória de Biden, o futuro de Trump e os reflexos da derrota do republicano no Brasil. Na entrevista (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), o historiador avalia os desafios do novo governo democrata, as divisões entre os seus apoiadores, as mudanças que podem vir no front externo e nas políticas domésticas. Trata do comportamento da mídia (lá e aqui), da tragédia que a pandemia provoca no país, da ascensão dos movimentos sociais como o Black Lives Matter e da reação que poderá haver de grupos da extrema direita fiéis a Trump. “É preciso manter a mobilização contra todas a políticas de Trump”, ressalta.

Brasilianista, professor na Universidade de Brown (EUA), ele é um histórico ativista pelos direitos humanos nos Estados Unidos e no Brasil, liderando ações internacionais pela democracia. Para Green, a vitória de Biden “é fundamental não somente para os EUA, mas é vitória internacional, porque Trump representa essa onda reacionária mundial. Bolsonaro segue os passos dele e [a vitória de Biden] é uma indicação da possibilidade de derrota de Bolsonaro em 2022. Esperamos que os brasileiros sigam os norte-americanos nesse sentido”.

Na sua análise, o governo democrata fará “uma reversão muito importante da política sanitária e política interna”. Na política internacional, as mudanças talvez sejam menores. Mas ele ressaltou o provável retorno dos EUA para os organismos internacionais e ao acordo sobre o clima. Também Cuba deve ter reduzida a hostilidade por parte do executivo.

“Para nós, que estamos querendo fortalecer os interesses democráticos no Congresso americano, educando as pessoas sobre a realidade brasileira, Biden presidente vai nos ajudar bastante o nosso trabalho de informação sobre o Brasil entre os políticos norte-americanos”. Com esse resultado, Bolsonaro se isola no cenário internacional.

Na conversa, Green destaca a disputa ainda em curso pelo comando do Senado e descreve como se formou a “frente única” que viabilizou a vitória de Biden: “São vários interesses, uns bastante conservadores, a favor do império americano no mundo, e outros setores mais à esquerda, social democratas, ativistas que mobilizaram as pessoas”. A partir dessa conformação, é possível prever disputas que marcarão o próximo governo democrata.

Biden enfrentará muitas dificuldades, especialmente se for confirmada a maioria republicana no Senado. Será um governo fraco, sujeito a muitas negociações, que podem desidratar promessas de campanha, segundo a avaliação do historiador, que cita o exemplo do ocorrido no governo de Jimmy Carter.

Já Trump “tem um comportamento de um menino de sete anos”, diz Green. Para o historiador, é possível que o atual presidente não compareça à posse de Biden, em 20 de janeiro. “Ele tem um grande problema, que são acusações de crimes federais”, ressalta.

Green acha que Trump pode até pensar em um autoperdão para os seus crimes, o que teria entraves legais. Assim, não é descartada a possibilidade de renúncia, tal como aconteceu com Nixon, quando o impeachment ficou incontornável. Foi a fórmula encontrada para a anistia, o perdão pelos crimes

“Trump pode ser pressionado a renunciar. Fala que as eleições foram fraudulentas, Pence assume e lhe dá o perdão em relação aos crimes federais”.

Ao TUTAMÉIA, Green, às vésperas de completar 69 anos, responde aos que afirmam que não há diferença entre democratas e republicanos no que tange ao Brasil e à América Latina. Comenta a vitória da esquerda na Bolívia, o plebiscito no Chile e os desafios para a esquerda no continente.