“O esporte, ao longo da segunda metade do século vinte, se associou, se integrou e se amalgamou tanto mais aos interesses do capitalismo. Esses corpos, que deveriam ser tratados à luz de uma promessa do esporte moderno, que é uma promessa civilizadora, passam a ser coisificados. Assim, são passíveis de toda a ordem de insulto, toda a ordem de violência. Cada vez mais associado a esse panorama, o esporte entra nesse lugar de coisificação e de violência aberta.”

A reflexão é do professor Neilton Ferreira Júnior, autor da primeira tese de doutorado da Escola de Educação Física da USP sobre Racismo e Esporte. Ele fala ao TUTAMÉIA sobre seu trabalho, lembra histórias de resistência e luta de atletas negros e comenta recentes episódios de acusações de injúrias raciais no futebol.

Falando sobre sua tese “OLIMPISMO NEGRO, uma antologia das resistências ao racismo no esporte por atletas olímpicos brasileiros”, ele diz (clique no vídeo para acompanhar a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV):

“O esporte participa, de maneira muito efetiva, em processos em que os sujeitos negros são, historicamente, excluídos deliberadamente do processo ou integrados subordinadamente, sendo alvo de processos de humilhação pública. Entender o esporte a partir desse processo pós-colonial me leva a pensar que não é só o jogo, não é só a vontade de ser dentro do esporte, mas é um conjunto de tarefas que esses sujeitos precisam realizar, tarefas solitárias, muitas vezes, de vitórias cotidianas em processos de negação de sua humanidade.”

Na tese, ele apresenta histórias de quatro atletas que, de diversas formas, viveram tudo isso –humilhação, resistência, vitória. Fala de Alfredo Gomes, primeiro campeão da São Silvestre, da velocista Melânia Luz, primeira mulher negra a integrar uma delegação olímpica brasileira, da judoca Soraia André, pioneira que ousou praticar o esporte durante a ditadura militar, quando as mulheres eram proibidas de lutar, e de Diogo Silva, o Pantera Negra do taekwondo.

A partir dessas histórias, ele conclui:

“A forma como o negro se insere no esporte é uma forma que os obriga a realizar uma dupla tarefa. A primeira tarefa é lidar com a possibilidade de fazer do esporte um lugar para se pensar no mundo e se fazer no mundo através da condição de atleta. Esse processo é muito semelhante a qualquer outro per corrido por membros da classe trabalhadora.”

“A segunda tarefa é que, conforme o se desenvolveu, não criou possibilidades de reconhecimento do outro de maneira simples. Logo, a inserção desses atletas no esporte é marcada também por uma tarefa de resistência e de luta. Luta para permanecer, luta para justificar o seu sim e o seu não, luta para protestar por condições melhores de trabalho, luta para se associar a outras figuras no esporte, negros, que também sofrem com o racismo.”