Conhecido no país como clube racista, com uma torcida que se tornou tristemente famosa depois das agressões contra o goleiro Aranha, do Santos, e que continuou a usar expressões racistas em suas canções e gritos de guerra nos jogos de futebol, o Grêmio está procurando mudar essa trajetória e se inscrever com firmeza na trincheira antirracista.
É o que nos diz o conselheiro gremista David Stival, integrante da Comissão de Inclusão e Responsabilidade social que o Conselho Deliberativo criou para pensar e propor ações de combate ao racismo e todas as questões de discriminação. Doutor em educação, professor da Universidade LaSalle, de Canoas, na Grande Porto Alegre, ele fala ao TUTAMÉIA sobre as medidas que o clube vem tomando para se inserir nessa trincheira (clique no vídeo para acompanhar a íntegra da entrevista e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Conselheiro do Grêmio desde 20007 e professor de Cultura Afro-brasileira e Índigena e de Educação Intercultural nas Relações Étnico-raciais, ele afirma:
“Tudo que pode ser contra a vida nós temos de combater. Qualquer sociedade que pretenda ser democrática e inclusiva tem de enfrentar tema do racismo e da discriminação com a maior contundência, a maior profundidade possível. Nós sabemos que somos filhos de escravistas, a base da formação da sociedade brasileira está na violência do senhor da terra sobre o trabalhador, o mando da casa grande sobre a senzala. Nós precisamos furar essa chaga colonial, que perpassou o Império e hoje, séculos depois, continuamos enfrentando o tema. Avançamos, temos políticas afirmativas sobre isso, mas ainda é muito pouco. O Grêmio, um clube de massas, não pode ficar alheio a isso, até porque ali, nas manifestações de massa na torcida, é que se expressam muitas vezes, ainda, o preconceito, a discriminação e, muitas vezes, as manifestações de racismo.”
Stival conta que o clube levou esse debate à torcida, especialmente à Geral do Grêmio, que comanda a animação nos estádios. Houve percalços, mas também avanços:
“Tínhamos o problema na Geral do Grêmio, que é a que mais anima os jogos, que tinha inclusive aqueles cantos com frases racistas, que foram se reproduzindo ao longo dos anos, e ninguém enfrentava. Fizemos reuniões desde o início, mas não estava do jeito que nós queríamos. Aí no penúltimo Grenal, no Beira Rio, eles reproduziam, se ouviram lá alguns daqueles cantos. Então depois daquele penúltimo Grenal se chamou de novo, e se fez uma reunião inédita, porque funcionou nos outros jogos. O que a Geral fez: mudou a letra dos cantos, estão ensaiando para a torcida toda abraçar isso. Colocaram uma faixa no meio da torcida: ‘ Geral antirracista’. Quando a Geral dá essa manifestação, acontece na maioria dos torcedores e na sociedade uma elevação no nível da consciência, e acho que com mais algumas ações assim intensas nós vamos avançar significativamente.”
ESTATUTO ANTIRRACISTA
No âmbito interno, há outros projetos em andamento.
“O Grêmio resolveu enfrentar isso com toda a contundência que isso precisa. Criamos dois movimentos. O primeiro é o projeto Clube de Todos, e o outro é essa comissão da qual eu faço parte, que é a Comissão de Inclusão e Responsabilidade Social. O projeto Clube de Todos trabalha toda a temática da responsabilidade social, passa a agir através de ações concretas de combates à discriminação e ao racismo. A equipe é fornada por representantes de todos os setores do clube, promovendo ações de conscientização coletiva, primeiro para dentro, e depois fazer ações para fora, como os projetos que realizamos no Dia da Consciência Negra.”
Já a Comissão, diz Stival, concluiu a elaboração de uma Carta de Princípios: “Ela já foi aprovada no fórum de todos os movimentos do grêmio e agora está sendo formatada para ser adequada ao estatuto. O documento também coloca sanções. Trabalhar com educação, com conscientização, mas também com punições, quando o povo não avança. Claro que respeitando o amplo direito de defesa. Com essa Carta de Princípios, com essa mudança no estatuto, o Grêmio quer reafirmar esse compromisso de combate ao racismo e a qualquer outro tipo de preconceito e discriminação”.
E conclui:
“Vamos continuar nesse trabalho, procurando nortear o comportamento de nossos torcedores, de nossos funcionários, de todo o clube e dos torcedores em geral para a gente poder contribuir para uma sociedade mais esclarecida, uma sociedade mais humana, uma sociedade mais igualitária. A luta contra o racismo e contra a desigualdade social é uma luta de todos, e temos de ampliar. Contamos com a participação de mais gente nesse roçado.”
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