“Desde 2016 é golpe em cima de golpe; é um desmanchar das instituições. A gente está vivendo um butim. Você tem uma burguesia brasileira que está no saque. Não é brincadeira! Mudando o padrão de acumulação brasileiro, destruindo a Constituição de 1988 e destruindo o que foi construído enquanto capacidade governamental. Acho que eles não vão parar. O campo da esquerda ficou muito atordoado e muitas vezes ficou na lógica muito mais dos desejos do que avaliando o que estava acontecendo materialmente. Faz parte. Mas está na hora de despertar. Essa não será uma eleição fácil”.

O alerta é do economista Eduardo Costa Pinto ao TUTAMÉIA. Doutor em economia, vice-diretor do Instituto de Economia da UFRJ, professor de economia política e economia brasileira, Costa Pinto fala sobre a situação da economia neste ano eleitoral, as mudanças na burguesia e nas classes populares do país e os seus impactos sobre o processo político (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“Depois dos governos do PT, com suas contradições, questões, problemas, os seus avanços geraram uma nova configuração das placas tectônicas na sociedade brasileira. Essas mudanças de placas tectônicas, no mínimo, mudaram o perfil eleitoral. A população hoje –a mais pobre, que é mais de 60% da população brasileira– só vai votar em alguém que vai prometer entregar alguma coisa para ela”, diz.

No campo da burguesia, ele afirma:

“As pessoas ficam comparando com a eleição do Collor, do FHC. Não, pessoal! A realidade atual mudou de forma significativa.  Não dá para ficar projetando o passado para olhar o futuro. Tem uma reconfiguração no bloco do poder do capitalismo brasileiro”.

“Aumentou o poder das frações agrárias e vinculadas ao agronegócio, que é a indústria intensiva em commodities, alimentos, minerais. A grande novidade é que desde 2016 há um processo de concentração e centralização de capital. É parecido com o dos anos 1970. É enorme, sobretudo nos serviços no varejo, nos serviços médicos. Estão sendo formados conglomerados privados no lado comercial. Basta olhar a lista de bilionários do Brasil. O financeiro continua forte, o agronegócio crescendo, e o varejo, o comércio os serviços médicos passam a ser os bilionários do país”.

“O principal elemento de custo do capital comercial é o emprego, força de trabalho. Por isso o Abílio Diniz está falando: ‘Não quero voltar’. Esse pessoal vai lutar para não ter a reconfiguração, a volta das leis trabalhistas. Por que vai exatamente em cima da força de trabalho, onde ele está ganhando”.

ALCKMIN, ENFRENTAMENTO E NOVA BURGUESIA

“No setor industrial, entre os que sobreviveram, as taxas de lucro cresceram”, aponta Costa Pinto. Daí ele conclui que também nesse setor haverá resistência para a mudança nas leis que reduziram direitos dos trabalhadores.

“Tenho todas as minhas questões pessoais com a escolha do Alckmin. Mas a estratégia do Lula não é trazer a burguesia, mas é trazer a política. É trazer a cena política para a possibilidade de um enfrentamento que está por vir”.

“É diferente da conciliação com a burguesia lá atrás, em 2003 e 2004. É trazer a política, uma tentativa de fortalecer as dimensões da cena política para criar condições políticas do Estado, para criar e forjar a burguesia, uma nova burguesia, o avanço de segmentos industriais. Para, aí sim, pensar num projeto autônomo e nacional. A gente vai viver uma fase de reconstrução caso o Lula ganhe. E essa reconstrução tenderá a ser interditada por esse pessoal”.

Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, o economista aponta algumas linhas gerais de ação para um eventual governo Lula e afirma:

“Acho que tem que refundar o Brasil. Não dá para voltar a 2003, nem ao desenvolvimentismo dos anos 50 e 60, que deixou de fora a massa, que só incorporou parte da população dos centros urbanos do Sudeste”.

“Se você mexer hoje na renda do capital, dada a sua rentabilidade, já vai ser um enorme enfrentamento. Enquanto isso, será preciso aumentar a capacidade estatal a partir do investimento público. E, a partir das estatais, reconfigurar a atuação estatal no Brasil para criar dimensões de uma nova burguesia para avançar na reconfiguração industrial que foi perdida”.