As histórias do goleiro Aranha, da saltadora Aída dos Santos e do taekwondista Diogo Silva foram algumas das trajetórias de esportistas negros lembradas durante a entrevista de TUTAMÉIA com o professor de educação física Neilton Ferreira Júnior, da Academia Olímpica Brasileira. Doutorando da Universidade de São Paulo, ele estuda a expressão do racismo no esporte a partir de depoimentos de atletas olímpicos brasileiros.

Segundo ele, tal como na sociedade brasileira, o racismo está entranhado na própria constituição do esporte, é “uma política invisível no esporte” (confira a íntegra da entrevista no vídeo no alto desta página).

Vez que outra, chama-se atenção para um caso específico, talvez uma manifestação contra um jogador de futebol em algum campeonato europeu, o que pode levar desavisados a pensarem que seja algo extemporâneo no esporte. Mas não, diz o pesquisador do grupo de Estudos Olímpicos da USP: “Enquanto nós estamos discutindo o racismo que aconteceu com um dado atleta brasileiro lá na Europa, essa experiência está acontecendo agora, aqui, cotidianamente. Atletas, meninos e meninas negros estão sendo excluídos de processos de escolha por conta de sua cor, por uma questão de arbitrariedade, meninos e meninas estão sendo selecionados para determinadas modalidades por conta de uma ideia que se tem da potência que esse corpo negro tem. Então eles não vão para a piscina, eles vão para o atletismo ou para o futebol, vão para a luta.”

Ele diz que o esporte combina, a um só tempo, o fascínio e a humilhação públicos: “Há o fascínio, a expectativa de que esse corpo suporte mais dor,  de que esse corpo seja mais potente, corra mais rápido; ao mesmo tempo, há a experiência da humilhação pública, porque, se essa corpo erra ou fala alguma coisa que contrarie a ordem, ele vira o macaco, vira o sujeito coisificado, ele é colocado no seu lugar. Ele está inserido no esporte, mas de uma maneira subordinada”.

Conta histórias de atletas e cita experiências para embasa sua definição de que “o esporte, por ser uma estrutura de classe, constituída por homens e para homens de uma determinada classe, portanto de uma determinada raça, é um espaço extremamente hostil ao questionamento.”

Ele não foi construído, na era moderna, como parte da sociedade, mas algo imaginado pelo barão de Coubertin [o “pai” do olimpismo moderno], como uma experiência suprapolítica, uma experiência para além das condições mundanas.”

Não é nada disso, afirma Ferreira Júnior: “Romantiza-se muito sobre o esporte, mas o esporte é contradição e ele é uma expressão em carne viva das dificuldades que o mundo sofre em relação à questão racial, à questão do corpo da mulher, à questão dos preconceitos.”

O pesquisador aponta ainda outra das tantas contradições do mundo esportivo, que é a de ser uma das instituições mais reguladas da sociedade: há regras para tudo, o tamanho do campo, o tempo do jogo, o que pode e o que não pode ser feito, quem pode e quem não pode participar. “No entanto”, diz ele, “ao mesmo tempo, em seu interior se permite tanta barbaridade que o esporte se torna um espaço muito rico de expressões daquilo que o mundo está vivendo hoje, o fechamento, a barbárie, o ódio contra o outro, o racismo”.

Ele conta também, na entrevista ao TUTAMÉIA, exemplos de resistência, de solidariedade, de vitória da condição humana. Coisas que lhe permitem dizer, em sua mensagem ao fim de nossa conversa:

“Espero que a gente consiga pensar o esporte a partir de uma utopia democrática, de radicalização democrática do esporte, uma vez que ele, por muito tempo e até hoje, não tem sido esse espaço. Que as pessoas que atuam e participam desse fenômeno, especialmente os atletas, possam ter voz, lugar de fala e possam dar, a partir de suas experiências, direções para que a gente tenha um esporte mais democrático, antirracismo, anti-homofobia, antissexismo, e que a gente possa cumprir com um sonho, ou com a utopia –ainda do Coubertin—que possa ser esse espaço de experiência multicultural, de troca, para que a gente possa vislumbrar no mundo experiências melhores.”