“É preciso formar uma frente democrática ampla, generosa, massiva, que não permita o nosso isolamento, para colocar um dique nessa onda autoritária”. Essa foi a recomendação do cientista política André Singer, professor da USP, que alertou ainda: “Os partidos estão resistindo a formar essa frente. Mas acho que essa frente democrática está formada no campo da sociedade, a sociedade já percebeu que ela é necessária, então a sociedade precisa obrigar os partidos a se conformarem a esta frente. Nós precisamos encontrar mecanismos pra isso”.

A fala da Singer aconteceu durante o debate “Construindo a Resistência”, realizado logo depois do segundo turno das eleições presidenciais, quando muitos ainda estavam de “ressaca eleitoral”, mas já pensando no Brasil que vem aí.

O evento foi convocado e coordenado pelo professor Ruy Braga e teve ainda como palestrantes os professores Marilena Chauí e Vladimir Safatle. Realizado no dia primeiro de novembro passado, havia sido marcado para as modestas dependências da sala 14 do Departamento de Sociologia da Fefeleche, como é conhecida a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Na hora, perceberam o público era muito maior do que o espaço reservado. O evento foi transferido para espaço mais amplo, mas novamente estradulou os limites físicos, acabando por ter lugar no vão do prédio da História e Geografia, com o público se acotovelando onde fosse possível.

Com a transferência, a gravação prevista teve de ser cancelada, mas Indra Seixas Neiva fez uma transmissão ao vivo pelo Al Janiah, espaço cultural e político árabe. A jornalista Sonia Rosa Maia realizou a transcrição da conferência e gentilmente nos autorizou a usar o trabalho.

Assim, publicamos a seguir a íntegra da participação do professor Singer no evento “Construindo a Resistência” (títulos, entretítulos e destaques são responsabilidade aqui do Tutaméia).

BALANÇO E PERSPECTIVAS PÓS-ELEIÇÃO DE BOLSONARO

por  André Singer

São três pontos que queria tocar. O primeiro é uma avaliação da eleição. Nesse ponto, paradoxalmente, trago boas notícias. O segundo ponto é o que vem pela frente, e aí trago más notícias. E o terceiro: o que podemos fazer?, trago boas notícias novamente.

Primeiro ponto: avaliação eleitoral.

Acho que é nítido para todo mundo que a diferença entre os dois candidatos diminuiu significativamente na última semana: caiu de 18 para 10 pontos percentuais. Isso, na minha opinião, tem dois significados importantes.

Primeiro: houve um movimento vivo, real, de baixo pra cima, na sociedade brasileira, de milhões de eleitores que decidiram votar em defesa da democracia. Esse movimento existe, tanto é que estamos aqui reunidos hoje em grande quantidade. Esse movimento existe, não é uma invenção, não é um fato imaginário. O resultado da eleição foi praticamente equilibrado: 55 – 45. Metade da população brasileira votou contra o candidato de extrema direita, que venceu as eleições. Nós não podemos perder isso de vista em nenhum momento. Esse resultado eleitoral mostra que aqueles que estão conscientes –mais ou menos conscientes– mas estão conscientes de que o que está em jogo e em risco a partir de agora são não só os avanços sociais conquistados no Brasil, também com muitas contradições. De 1988 pra cá, não só esses avanços estão em perigo, mas a própria democracia, que é a única garantia que a classe trabalhadora tem de continuar avançando. E ela está em perigo neste momento.

Os grupos que (votaram em Bolsonaro) e que têm dentro de si elementos fascistas são muito pequenos. É verdade que esses grupos cresceram rapidamente a ponto de chegar a colocar um candidato na presidência da república, o que não é pouca coisa. Mas eles continuam sendo pequenos no conjunto da sociedade brasileira.

O segundo ponto, ainda sobre a avaliação eleitoral, além de destacar o fato de a eleição, apesar de não parecer, foi equilibrada, é que nós não podemos cair no erro de imaginar que os 55 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro são fascistas. Não são. Não são! A questão do fascismo é uma questão para discutirmos profundamente e esse não é o dia, por isso falo em “elementos fascistas”. Os grupos que (votaram em Bolsonaro) e que têm dentro de si elementos fascistas são muito pequenos. É verdade que esses grupos cresceram rapidamente a ponto de chegar a colocar um candidato na presidência da república, o que não é pouca coisa. Mas eles continuam sendo pequenos no conjunto da sociedade brasileira.

O importante, neste momento, é registrar que boa parte desses votos são votos em favor de uma mudança econômica, e certamente e muito provavelmente, boa parte desses eleitores não tomaram consciência de qual foi o programa vitorioso no domingo. Quando tomarem consciência, certamente mudarão de posição.

Nós precisamos entender que o Brasil está numa crise econômica da qual o governo Temer não conseguiu sair, e boa parte dos eleitores votou contra a crise, na expectativa de que o próximo governo possa trazer emprego e renda, o que faz com que o próprio governo esteja imediatamente sob pressão de fazer a economia brasileira crescer. Não vejo como isso venha a acontecer, diante das fórmulas econômicas que estão sendo apresentadas. Mas esse é um tema para discutirmos mais adiante, quando o governo tiver começado. O importante, neste momento, é registrar que boa parte desses votos são votos em favor de uma mudança econômica, e certamente e muito provavelmente, boa parte desses eleitores não tomaram consciência de qual foi o programa vitorioso no domingo. Quando tomarem consciência, certamente mudarão de posição.

Além disso, a gente não pode também extremar, do ponto de vista numérico, a quantidade de pessoas que votaram a favor, vamos chamar assim, de uma regressão no campo dos costumes, no campo da moral. Claro que existem setores na sociedade que gostariam de uma regressão no campo moral. Existem, mas são minoritários. O nosso trabalho é isolar esses grupos minoritários, é não deixá-los crescer. Portanto, do ponto de vista eleitoral, a questão que está colocada para nós é nós nos mantermos unidos e isolar os grupos minoritários que são efetivamente grupos regressivos, e trazer para o nosso campo aqueles que votaram sem saber em quem estavam votando. E formar assim uma nova maioria, que vai inverter o quadro decidido no momento.

Segundo tópico: o que vem por aí

Creio que aí não trago boas notícias. Acho que há um projeto autoritário em curso, embora não tenha como provar, tenho apenas a convicção, não tenho provas, ainda, ou pelo menos não tenho provas cabais. Portanto, não se trata apenas de declarações de campanha. Acho que a nomeação hoje do Juiz Sergio Moro é um indicativo disso. É indicativo de que o juiz Sergio Moro tenha aceitado um ministério que põe por terra a pretensa a neutralidade técnica da Operação Lava a Jato. Os que me acompanham sabe que venho discutindo isso há anos! E é um tema complicado.

De uma hora pra outra, tanto o candidato que venceu, o atual presidente eleito, quanto o juiz Sergio Moro, aceitaram o ônus de deixar essa pretensa neutralidade ir por terra, a meu ver, para colocar em jogo um projeto de natureza repressiva. Que começa no dia 1° de janeiro de 2019. Portanto, acho que essa é a má notícia e acho que temos que nos preparar pra isso.

Nós temos esse tempo! Creio que ter tanta gente aqui hoje é porque todo mundo tem consciência que precisamos aproveitar este tempo para nos prepararmos para o que vem pela frente. Nós, aqui na faculdade, na universidade, temos clareza que esse talvez seja um dos primeiros locais a ser visado. Não é à toa que na última semana, antes da eleição do segundo turno, 30 universidades tenham sido invadidas.

 

 

Agora, passando diretamente para o terceiro ponto.

Acho que temos muitas coisas que podemos fazer.

A primeira é formar, efetivamente, uma frente democrática, que coloque um dique à essa onda autoritária. Acho que as instituições estão divididas. Não acho que as instituições brasileiras estejam tomadas por uma orientação de extrema-direita, ou por uma orientação fascista. Um exemplo disso é a resolução que o Supremo Tribunal Federal tomou ontem, por unanimidade, dizendo que só se pode entrar na universidade para estudar, para debater, para ter ideias e não para impedir a liberdade de expressão. Acredito que a resolução do STF é a primeira reação institucional à vitória da extrema direita no domingo. Não creio que essa decisão seja casual, que ela tenha sido tomada por unanimidade, porém quero acrescentar uma coisa para caminhar para o encerramento: por mais que as instituições estejam divididas, que existam juristas democratas e que existam inclusive policiais democráticos, movimentos inclusive que temos que nos somar, nos unir, por mais que existam nas instituições, nada vai acontecer se a sociedade não estiver mobilizada. Nada!

No fundo, tudo depende da mobilização da sociedade. E pra isso é preciso formar uma frente democrática ampla, generosa, massiva, que não permita o nosso isolamento, porque no isolamento nós vamos perder. Não podemos nos isolar.

E aqui quero assinalar um problema, porque estamos aqui no campo do pensamento crítico e o pensamento crítico aponta os problemas. O problema é que, infelizmente, por razões que não tenho tempo pra discutir aqui, os partidos estão resistindo a formar essa frente. E falo isso com muita tranquilidade, porque pertenço a um partido, e diria isso no partido, não sou contra os partidos. Mas acho que essa frente democrática está formada no campo da sociedade, a sociedade já percebeu que ela é necessária, então a sociedade precisa obrigar os partidos a se conformarem a esta frente. Nós precisamos encontrar mecanismos pra isso.

Formar uma grande frente da sociedade civil, ampla, em favor da defesa da democracia. Essa é a proposta correta, e os partidos terão que se somar ou ficarão sem base.

Há pouco estava em uma reunião com um colega, da diretoria do Andes, Sindicato Nacional dos Professores de Ensino Superior, e ele disse fará uma proposta de formação de uma grande frente da sociedade civil, ampla, em favor da defesa da democracia. Essa é a proposta correta, e os partidos terão que se somar ou ficarão sem base.

Pra terminar quero repetir o que ouvi ontem, num debate como este no Espírito Santo, de um companheiro, que disse: Se o Inverno É Deles, a Primavera É Nossa.