Verticalização enlouquecida, onda de despejos, loucura nos aluguéis, ocupações cada vez mais precárias, famílias inteiras morando na rua. Com essas palavras a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik descreve ao TUTAMÉIA a situação das cidades, lugares onde a pandemia exacerbou desigualdades e o poder já consolidado das finanças sobre a especulação imobiliária.
Professora da USP, ela foi relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Nesta entrevista, Rolnik fala dos efeitos das mudanças no mercado, da concentração da propriedade, dos impactos de plataformas como Airbnb, dos movimentos sociais e defende a necessidade de políticas múltiplas para o enfrentamento da questão habitacional (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“Todos os dias aparece uma nova ocupação precária, mais precária do que a anterior. De gente que não tem onde morar e que foi expulsa porque não pode mais pagar aluguel ou porque foi demolido o lugar onde estava morando”, aponta a arquiteta. Ela segue:
“O auxílio aluguel de 400 reais é o indexador do mercado informal. O pior barraco da pior favela custa 400 reais por mês. Com isso, a prefeitura se livra [do problema], diz que está atendendo –e não está atendendo. O auxilio aluguel de 400 reais para as famílias é a uberização da moradia”.
ALUGUEL É NOVA FRONTEIRA DA FINANCEIRIZAÇÃO
Rolnik ressalta que hoje a maior demanda é por apartamentos muito baratos –que não estão sendo produzidos.
“Que mais precisa é quem está morando na rua, quem perdeu a casa na pandemia, quem foi despejado, quem não tem onde morar, quem está desempregado. São esses que precisam de casa. Para esses, nada dessa produção”.
A verticalização em curso nas cidades, assinala, não está resolvendo essas questões. “Boa parte [dos apartamentos novos] ser para proprietários de 3, 4, 5, 10 apartamentos, como forma de diversificação dos seus investimentos, com expectativa de aluguel no futuro. O aluguel é a nova fronteira da financeirização”.
“Os preços dos aluguéis estão num crescendo, uma loucura. O que está provocando também uma onda grande e importante de despejos por falta de pagamento de aluguel, inclusive durante a pandemia. É um problema social gravíssimo. Daí a importância da campanha despejo zero”.
VERTICALIZAÇÃO CAPTURADA
Na cidade de São Paulo, especialmente nas regiões, Centro, Sudoeste, nos bairros de Pinheiros e Consolação, Rolnik observa uma “verticalização enlouquecida”. “É um processo que estava vindo e não parou na pandemia”, afirma.
Ela lembra que o plano diretor da cidade apostou na ideia de que era necessário concentrar a moradia junto aos grandes eixos de transporte, ao metrô e corredores de ônibus. Isso faria com que mais gente, usando transporte público, não tivesse que morar cada vez mais longe.
Um elemento central nesse ordenamento era a construção de apartamentos sem garagem. Mas o setor imobiliário conseguiu que os prédios tivessem duas garagens por unidade. Só esse ponto, ressalta a urbanista, já quebrou a estratégia inicial, provocando também o aumento nos preços dos apartamentos.
Assim, diz, “é uma produção que não está, infelizmente, sendo feita para uma menor faixa de renda; não está sendo uma alternativa para quem está expandindo periferias”.
Autora de “Guerra dos Lugares: A Colonização da Terra e da Moradia na Era das Finanças” (Boitempo, 2015), Rolnik acentua que o mercado imobiliário não funciona como o de tomate ou o de celulares.
“É um mercado especulativo, que não funciona na base da oferta e da demanda. Os mecanismos que criamos de procurar inserir no planejamento, dando incentivo à habitação, acabam sendo capturados e transformados em mecanismos de aumento da rentabilidade da própria exploração imobiliário financeira das incorporadoras”.
A urbanista segue:
“Cada localização é única; tem uma renda de monopólio envolvida. O imobiliário é completamente associado ao financeiro. É um ativo que funciona como investimento. Muito apartamento, muito espaço construído não é comprado e produzido para ser usado, mas é um elo numa cadeia de investimento financeiro”.
“É um enorme mercado especulativo que não funciona como um mercado perfeito. Quando a taxa de juros caiu bastante, uma massa enorme de capital migrou para o imobiliário. Resultado: muito espaço construído, mas não está sendo produzida a transformação urbanística que se esperava”.
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