“O Brasil está na contramão. Eu me preocupo se não estamos perdendo o pé e quantas gerações serão necessárias para recuperar isso. A gente não assistiu a uma regressão do tamanho que está assistindo num país com as dimensões do Brasil. É difícil ter um país com a dimensão geográfica, populacional, demográfica do Brasil e se achar que se vai viver de agricultura. E quais os efeitos que isso vai ter no tecido social. Isso preocupa muito”.
Palavras do economista Gabriel Galípolo, presidente do Banco Fator, ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). Na entrevista, ele trata da conjuntura internacional, de Trump, China, Brexit, criptomoedas, empresas de tecnologia, perspectivas de investimentos –por que os tais juros negativos estão em voga no mundo. Fala sobre os desafios para o Brasil e das mudanças na economia. Apreensivo, declara:
“Estamos num momento ímpar sobre as incertezas em relação ao futuro. Tenho receio de um passo no sentido de uma ruptura mais profunda, que envolva questões políticas e sociais. Estamos num momento complexo, que demanda um tipo de coordenação e arquitetura internacional, financeira e política. E, para nosso azar, a gente nunca teve um cenário tão complexo com governantes talvez tão pouco preparados para enfrentar um cenário tão complexo. Esse é o grande desafio”.
Galípolo descreve como a migração da produção mundial para a Ásia resultou em perda de renda para os trabalhadores norte-americanos e de outros países, que foram empurrados para o endividamento. Mostra como a crise de 2008 escancarou esse processo, que tem resultantes políticas em várias partes do mundo: o achatamento da classe média, o aumento o desemprego, a perda de salarial, a frustração com as promessas da globalização leva populações a buscar saídas embebidas em ódio.
A eleição de Trump e o Brexit relevam, na sua análise, um grito de revolta. “As pessoas querem seus empregos de volta. Houve um desaparecimento da classe média e o deslocamento de empregos para a China. Há esgarçamento do tecido social, com reflexos políticos e sociais. Isso gera insegurança, pois as pessoas estão perdendo posição que tinham na sociedade. E optam por projetos conservadores”.
Galípolo lembra que a megairrigação de dinheiro pós crise de 2008 não resolveu o problema do emprego e que a liquidez despejada no sistema acabou ficando empoçada –não gerando abrandamento da concentração de renda. O economista enfatiza o surgimento de um novo fenômeno a partir dessa crise:
“O quantitative easing gerou uma nova forma de rentismo. Antigamente se tinha um rentismo associado a ganhar dinheiro com os juros; juros é o fluxo. O que acabou acontecendo é que hoje se ganha dinheiro com a valorização da riqueza velha, com o estoque. É bom para quem detém aquilo, mas não dá conta de gerar um fluxo de despesa e gasto novo. Não está gerando emprego, salário, consumo. Está valorizando uma riqueza já existente e aprofundando [desigualdades]. Por isso, você vê esse fenômeno do achatamento da classe média”.
Diz o presidente do Banco Fator:
“A inflação da vida real não cresce porque não tem salário, não tem demanda e dá para baixar ainda mais os juros. Quanto mais caem os juros, mais inflaciona os ativos financeiros. É como se estivesse assoprando ainda mais uma bolha. Nessa dissonância, alguém vai ter que convergir para alguém. Ou com uma retomada da economia ou com preços do mercado financeiro convergindo para os da economia. É o principal receio: se houver uma desvalorização desses ativos financeiros, quais instrumentos os bancos centrais terão para recuperar”.
Galípolo avalia que Trump tenha um alinhamento com o establishment do mercado financeiro. Diz que o presidente norte-americano “está sendo bom no sentido de valorizar essa riqueza velha, porque está batendo pesadamente no BC para o BC continuar reduzindo juros, para que ele continue inflando o preço desses ativos financeiros”.
E por que alguém compra título com juro negativo para 100 anos? “O que o investidor vai estar mirando é ganhar dinheiro com a valorização do título não com os juros”, diz Galípolo.
Democracia, inclusão social, crise ambiental, petróleo são outros pontos dessa entrevista.
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