“O povo brasileiro não é passivo, o povo brasileiro tem uma história de luta contra o arbítrio, contra o autoritarismo. Por mais que os tempos de agora sejam tempos sombrios –menos sombrios, talvez, do que a ditadura–, a gente também pode construir um novo futuro, a gente pode construir as nossas novas utopias e transformar esse país em um lugar melhor do que ele é hoje.”

São reflexões do historiador e mestre em sociologia Higor Codarin, autor do recém-lançado “O MR-8 na Luta Armada” (ed. Alameda). Em entrevista ao TUTAMÉIA (vídeo no alto desta página), o pesquisador comentou a trajetória do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que se notabilizou durante o período ditatorial por uma das mais audaciosas ações de resistência armada, a captura do embaixador norte americano no Brasil em 4 de setembro de 1979.

Na conversa, como no livro, Codarin começa falando sobre as origens do grupo. Como muitos outros que fizeram a defesa da democracia durante o período ditatorial, sugeriu a partir de uma dissidência, uma divisão do Partido Comunista Brasileiro. Foi uma espécie de reação, de revolta contra o que consideraram falta de resistência –ou, pelo menos resistência insuficiente—ao golpe militar de 1964.

Ao longo do texto, recheado de citações e declarações de ex-militantes, o que dá mais vida ao trabalho acadêmico –o livro é a dissertação de mestrado de Codarin–, há também apresentação de documentos teóricos do MR-8 e análise de produções de outros grupos. O objetivo é tentar mostrar o debate teórico e político que havia dentro da organização e, algumas vezes, com outros grupos da resistência armada.

É um ponto também destacado pelo historiador Marcelo Ridenti na apresentação do trabalho: “O MR-8 privilegiava a reflexão crítica e a formulação política, aspecto que o destacava entre os diversos grupos da esquerda armada, em geral pouco afeitos à teoria, naquele tempo de prioridade à ação. Como destaca o autor, o voluntarismo predominante nem por isso deixaria de ter pressupostos teóricos, inspirados sobretudo pela Revolução Cubana de 1959, com influências também das experiências de China, Vietnã e Argélia. Enfatizava-se a importância das lutas contra o capitalismo nos países periféricos e dependentes, protagonistas de um movimento internacional que se imaginava no rumo do socialismo. Outro aspecto importante do MR-8, destacado no texto, estava na presença de uma perspectiva de revolução existencial que envolvia o questionamento dos padrões comportamentais da chamada sociedade burguesa; buscava-se uma revolução que teria implicações na vida cotidiana das pessoas, o surgimento do “homem novo”, livre das amarras da sociedade capitalista também no plano pessoal. A libertação coletiva e a individual andavam juntas nas formulações e práticas do MR-8, fazendo dele um exemplo expressivo das lutas que eclodiram no mundo todo em 1968, com destaque para a atuação de jovens estudantes.“

Perguntamos, na entrevista, sobre as razões da escolha do subtítulo do livro, “as armas da crítica e a crítica das armas”. Trata-se de referência a uma reflexão de Marx, de um lado, e, de outro, ao debate político que permeou a ação e a trajetória do MR-8, o grupo de resistência armada que mais radicalmente fez a avaliação e autocrítica dessa opção.

Talvez por isso, arrisca a dizer Higor Codarin, tenha sido um dos poucos –o único de sua vertente, digamos assim–, que conseguiu se recompor, reconquistar unidade interna para voltar a atuar no Brasil para auxiliar nas campanhas democráticas a partir de 1972/1973.

“Quem ler meu livro vai perceber que são diversas as leituras erradas daquela conjuntura. Vários ex-militantes dizem que a luta armada, naquele momento, foi uma atitude equivocada, mas, ao mesmo tempo, não se arrependem daquilo, porque foi numa experiência extremamente rica enquanto indivíduos, mas, principalmente, uma experiêcia extremamente rica para a esquerda brasileira e para o Brasil de modo geral”, diz Codarin.

Apesar de o MR-8 e outros grupos da resistência armada terem sido derrotados, deixaram uma importante lição, na opinião do historiador:
“A gente poderia analisar a opção desses grupos pelas armas como uma tresloucada aventura, como algo romântico, que não foi bem-sucedido, que fracassou. Mas eu acho que a gente pode avaliar de uma outra forma, que é: esses jovens percebiam que aquela realidade não era uma realidade suficiente. Eles queriam transformar aquela realidade. Eles vislumbravam, ao alcance da mão, a possibilidade de transformar essa realidade.”

Por isso, conclui Coderin, que agora se dedica ao doutorado, tendo por tema a trajetória política e pessoal de uma ex-militante do MR-8, “o grande legado , apesar de as leituras conjunturais e estratégicas terem sido equivocadas –e o livro faz isso–, isso não impede que a gente perceba que há um legado da insubmissão, há um legado da necessidade de lutar contra algo que não nos agrada”.