“Preservar a Amazônia é um interesse do Brasil, não do país A, B ou C. São os brasileiros que dizem isso. Os brasileiros querem a Amazônia preservada. A produção no campo e nas cidades depende disso. A água que nós bebemos em São Paulo depende disso. Querer relacionar o espanto internacional para o que está acontecendo com tentativas colonialistas de interferir no Brasil é voltar ao pré-regime militar. É inacreditável, não faz nenhum sentido. Temos é que enfrentar a questão”.
É o que afirma o ambientalista João Paulo Capobianco, 62, em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). Biólogo, ele foi secretário nacional de biodiversidade e florestas e secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (2003-2008). Coordenou o grupo de trabalho interministerial de prevenção e controle ao desmatamento na Amazônia e presidiu o Instituto Chico Mendes. Criou ONGs como a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Sócio Ambiental. Atualmente é vice-presidente do Democracia e Sustentabilidade.
Capobianco avalia que há hoje uma comoção em torno das queimadas na Amazônia porque existe a percepção de que estamos perto de “um ponto de não retorno”, quando o desmate é tão grande que começa prejudicar o equilíbrio do todo”.
“A Amazônia está ardendo. O governo tem as ferramentas para fazer [o controle]. É uma questão de por isso em marcha. É só pegar o plano de prevenção e controle do desmatamento, que é público, e reeditar o plano. Colocar as equipes em campo a trabalhar, a PF, a Abin”, diz.
Para o ambientalista, “o ataque às ONGs é uma cortina de fumaça. A resposta que o governo tinha que dar é como ele vai enfrentar o problema. Atacar quem existe para contribuir com a conservação não faz sentido nenhum”.
Ele lembra que “desde o final do governo militar todos os governos, alguns mais efetivos outros menos, se posicionaram pelo controle de desmatamento da Amazônia. Não há um caso de governo que tenha dito que é exagero, que é coisa de pessoal de fora que quer prejudicar o país. Isso é um fantasma que enterramos na década de 1980, quando ficou claro que conservar a Amazônia é interesse da soberania brasileira”.


Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, o biólogo classifica como “lesa-pátria” a posição do governo sobre o Fundo da Amazônia, discorre sobre as causas dos incêndios e relembra as boas práticas que fizeram com o que o país reduzisse o desmatamento em 80% –o que ocorreu durante o governo Lula.
Coordenador da campanha de Marina Silva à Presidência (2010), Capobianco fala de suas experiências no governo e analisa: “O desmatamento é bicho vivo. As pessoas se movimentam muito a partir dos sinais que recebem de fora do território”.
Na Amazônia, diz, o desmatamento e a queimada fazem parte do mesmo processo. Processo que pode ser de ocupação para plantio de pastagens e/ou também para a especulação. “Grileiros invadem a terra, muitas vezes pública, desmatam, queimam, depois pleiteiam o título, vendem”, conta.
“Esses atores estão sujeitos à fiscalização. O governo dispõe de ferramentas para controlar isso. Quando se para de usar essas ferramentas, diminui a presença do Estado e se faz um discurso sinalizando que haverá uma flexibilização, com redução da atuação do governo, há exagero no desmatamento. Os sinais são como um rastilho em barril de pólvora. Isso estimula [o desmatamento] e ganha uma dinâmica incontrolável. É isso que está acontecendo. É o discurso e uma redução da presença do poder público, do Estado democrático de direito organizando a ocupação do território”.
Capobianco também trata das relações entre o agronegócio e o desmate e as queimadas. Traça diferenças entre os produtores e defende que muitos já entendem a importância da preservação do ambiente para a produtividade das lavouras. Cita entrevistas recentes, como a da senadora Kátia Abreu, que alertam para os efeitos nefastos da política antiambientalista para os negócios dos exportadores de commodities. O boicote está entre as medidas que podem ser adotadas pelos países, a partir da pressão interna de seus consumidores –que não querem comprar produtos de um país que destrói a natureza.
“O Brasil sempre teve bons argumentos para proteger o seu negócio. O que estamos fazendo agora é dando argumentos contrários para que os outros utilizem e nos prejudiquem”.