Por ANTONIO BARBOSA FILHO (*), de Berlim

Maria Dantas é brasileira, radicada há 25 anos em Barcelona. Como jurista, atua nos movimentos sociais da Catalunha, o que a levou a ser eleita no começo deste ano para o Congresso da Espanha, em Madri (cargo equivalente ao deputado federal, no Brasil). Além de sua atuação na região catalã, ela sempre lutou junto aos movimentos de brasileiros contra o golpe de 2016 e contra o fascismo no Brasil, com destaque para a bandeira “Lula Livre”.  Durante o recente encontro da FIBRA – Frente Internacional de Brasileiros contra o Golpe (foto acima), em Berlim, ela concedeu esta entrevista exclusiva:

ANTONIO BARBOSA FILHO – O que a levou a ingressar na vida política parlamentar, depois de anos de atuação nos movimentos sociais da Catalunha?

MARIA DANTAS – Eu estive muitos anos sem residência legal, então minhas pautas sempre foram sobre os direitos humanos, dos imigrantes, das mulheres, da educação, contra o racismo e contra o fascismo. Fui convidada seis vezes para entrar numa chapa, mas sempre disse não. O que me levou a aceitar agora foi a entrada, pela primeira vez desde a redemocratização, da extrema-direita nas instituições. Venho de uma plataforma de luta por cidadania, por direitos que eu não tive, e agora tenho esse pequeno lugar de fala que é a cadeira de deputada.

ANTONIO BARBOSA FILHO – É possível ligar a luta contra a extrema-direita na Espanha e a mesma luta no Brasil, quando ambas avançam sobre o Estado e a sociedade?

MARIA DANTAS – Pois é, nós temos o avanço do Vox na Espanha [partido que reivindica o legado do ditador Francisco Franco e faz verdadeira guerra aos imigrantes, apontados como causa de todos os males…N. do entrevistador]. Faço parte de uma enorme plataforma que engloba mais de 650 entidades, entre associações e sindicatos, contra o fascismo. Então isso juntou com o tema do Brasil, eu já estava há bastante tempo na luta da diáspora, da resistência democrática brasileira. E isso me levou a ingressar na carreira política.

ANTONIO BARBOSA FILHO – Já foi possível fazer algo concreto em relação ao Brasil?

MARIA DANTAS –  Com certeza, inclusive antes de ser deputada. Continuo acreditando que os grandes câmbios de paradigmas sociais a gente faz nas ruas, a gente não vai fazer revolução nos congressos, a gente faz nas ruas, com a unidade de ação, com pessoas que pensam de forma diferente de mim, mas que nós nos somamos em causas importantíssimas como por exemplo os Diretos Humanos, a Democracia, o Republicanismo, o antirracismo e o antifascismo.

Temos em Barcelona as Mulheres Brasileiras contra o Fascismo, uma assembleia que teve como germe o assassinato da Marielle Franco, que é uma das nossas principais bandeiras. Somos quase cem mulheres, muito diversas em muitos sentidos. Nós fizemos uma proposta à Prefeitura de Barcelona, no ano passado, quando Bolsonaro ganhou a eleição, para que a Prefeitura votasse em plenário contra as políticas que ele anunciava, basicamente um “Fora Bolsonaro”, um “Ele Não”, contra tudo que ele representa. E isso foi votado!

Em todas as minhas entrevistas, eu digo pro Bolsonaro: se você vier um dia a Barcelona saiba que a Prefeitura (no sistema parlamentarista, a Prefeitura é formada pelos “vereadores”, N. do E.) aprovou quase por unanimidade, inclusive com partidos da direita liberal, que você é persona non grata. E o mais importante que conseguimos via movimentos sociais, muitos, Unidos contra o Lawfare, Amigos da Democracia, Comitê Lula Livre, Mulheres Brasileiras contra o Fascismo, e inclusive grupos sociais locais, fizemos um texto de proposta de resolução no Parlamento da Catalunha. Foi apresentado por uma deputada minha amiga, Ruth Ribas, a deputada mais jovem do parlamento catalão, ela foi votada, e era basicamente “Lula Livre”. Que Lula saísse da prisão com base naquela resolução da ONU do comitê de Direitos Humanos,  resolução que o Brasil nem olhou, jogou na lata de lixo, mas que o Bolsonaro  saiba e o Lula saiba que esta proposta foi muito bem acolhida na Catalunha, e foi votada em sede parlamentar, por unanimidade!

ANTONIO BARBOSA FILHO – Dá para antecipar os próximos passos?

MARIA DANTAS – Agora vamos atuar a nível institucional no Congresso da Espanha, e no Parlamento Europeu. Estamos conversando muito aqui neste encontro de Berlim, novas vias para chamarmos à responsabilidade os governos e as instituições da Europa, para o tema do Lula Livre porque agora temos não somente as convicções da sua inocência, mas temos as provas (publicadas pelo site The Intercept na chamada Vaza-Jato).

ANTONIO BARBOSA FILHO – Ainda sobre o avanço da direita, você poderia dizer mais alguma coisa, sobre a Espanha e o Brasil?

MARIA DANTAS –  Na Espanha temos partidos contra a democracia, que disputam eleições, como La Falange. Tem a Democracia Nacional e partidos que vão além de defender o franquismo, dizem-se cavaleiros cristãos como na Inquisição, cruzados!. A Falange nasceu com Primo de Rivera, que era o braço direito do Franco. É uma pena. Eu convido as pessoas para uma leitura maravilhosa que saiu no The Intercept, onde a autora do artigo diz, e estou completamente de acordo com ela, que os países que não fizeram o dever de casa no final dos seus regimes ditatoriais, sejam nazistas, fascistas, os que não eliminaram o ovo da serpente,  tem a tendência de fazer a mesma coisa de novo.

Isso está acontecendo por exemplo na Espanha, e no Brasil, que até tentou fazer algo com a Comissão da Verdade na época do Lula e da Dilma, mas hoje em dia já sabemos como está. Praticamente eliminada qualquer menção a fazer no Brasil um estudo sobre o que se passou realmente na época da ditadura de 1964. Imagina que temos aí um presidente fascista porque Bolsonaro é um “fascista de manual”: se você abrir um manual que defina um fascista, Bolsonaro cumpre todos os requisitos, e além do mais é um fascista terraplanista, o fascista bobo, tonto, idiota, é o pior que pode representar um fascista. Porque existem fascistas intelectuais como a Marianne Le Pen, que são os mais perigosos. Mas esses fascistas assim tão sem-vergonha, como Bolsonaro, a gente não pode subestimar.

ANTONIO BARBOSA FILHO – A democracia está ameaçada também na Espanha? 

MARIA DANTAS – Infelizmente é muito triste a gente ver a falta de liberdade de expressão, tem gente que canta rap e está exilado, basicamente por falar mal da monarquia, que foi colocada pelo ditador Franco. A gente não pode esquecer que o pai do rei de agora, o que foi chefe de estado durante décadas, o rei emérito (porque mudaram a Constituição para que ele continuasse sendo rei emérito), Juan Carlos, foi criado pelo ditador Franco. Ele morava na Grécia, Franco o trouxe, ele foi criado na casa de Franco por Pilar, a mulher de Franco. Há quem não saiba disso. Na Espanha não houve uma derrota do fascismo, Franco morreu de velho na cama, e Franco deixou uma frase que é muito significativa, que é o que nós estamos vivendo na Espanha neste período de redemocratização: “Yo dejo todo atado y muy atado” (“Deixo tudo amarrado, e muito bem amarrado”).

 

(*) ANTONIO BARBOSA FILHO é jornalista, coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, núcleo Vale do Paraíba, e autor de “Audálio, Deputado”, a ser lançado dia 26 de setembro, no Barão de Itararé-SP.