Os ataques antirrepublicanos e antidemocráticos às universidades brasileiras nos últimos dias estão dentro do contexto de proliferação de decisões e atitudes anticonstitucionais do sistema jurídico do país que, historicamente, age de forma oligárquica.
Essa é a visão do jurista Fábio Konder Comparato, 82, em entrevista ao TUTAMÉIA por correio eletrônico. Professor emérito da USP, ele desejou coragem à resistência nas universidades. A seguir, a íntegra:

Como o sr. avalia os ataques contra universidades nos últimos dias? Reuniões têm sido proibidas. Policiais têm invadido as instituições e impedido manifestações. Faixas contra o fascismo e em defesa da memória de Marielle estão sendo arrancadas. Juízes estão autorizando parte dessas ações. No Pará, policiais entraram na Universidade do Estado para averiguar o teor ideológico de uma aula e ameaçaram um professor. Isso é censura? Fere a autonomia universitária, o Estado de direito e a democracia?

Há já vários anos, tenho sustentado que toda sociedade política define-se por dois elementos fundamentais: a relação de poder e a mentalidade coletiva. No Brasil, a relação de poder sempre foi, desde a primeira colonização até hoje, de cunho oligárquico; ou seja, o poder supremo tem pertencido, ininterruptamente, à minoria da classe rica, aliada aos principais agentes do Estado. Quanto à nossa mentalidade coletiva, ela foi moldada historicamente, durante vários séculos, pela escravidão e o latifúndio, em seguida pelo anticomunismo e agora pelo combate à subversão, assim considerada a revolta contra a pobreza e o enfraquecimento do sistema de direitos humanos, especialmente os direitos sociais. Pois bem, até hoje a maioria esmagadora da magistratura é conservadora, contando sempre com uma minoria reacionária.
Tudo isso explica, a meu ver, a atual proliferação de decisões e atitudes anticonstitucionais, em todo o país. Aliás, em nosso país, sempre tivemos dois sistemas jurídicos: o oficial, que em grande parte existe “para inglês ver”, como se dizia antigamente, e o efetivo, comandado pelos oligarcas.

Essas ações são fruto de uma partidarização da Justiça?
Creio que não se pode falar em partidarização da Justiça, porque nunca tivemos partidos políticos autênticos, a não ser no passado o partido comunista e o partido integralista. O PT, durante os primeiros anos, foi uma grande exceção a essa regra. Foi por isso que os oligarcas decidiram acabar com ele. A partidarização da Justiça significa, no meu entender, a eliminação do princípio fundamental da imparcialidade da magistratura.

O que o sr. pode dizer aos professores e estudantes que estão resistindo, nesse momento, a esses ataques e defendendo a democracia?

Diria aquilo em que Dom Paulo Evaristo Arns sempre insistia: CORAGEM! Nossa função específica de docentes nos conduz a educar politicamente a juventude nos princípios fundamentais da República, da Democracia e do Estado de Direito, especialmente dos direitos humanos. A resistência atual dos Professores contra as ações antirrepublicanas, antidemocráticas e em defesa dos direitos humanos, conta com o meu apoio e a minha admiração.