Aton Fon tinha 16 anos quando veio o golpe. Dias antes, em 19 de março, ele segurou uma das faixas da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pela Liga das Senhoras Católicas e liderada por um padre norte-americano. Estava na Praça da República, em São Paulo, quando alguém lhe pediu para ajudar na manifestação. Caminhou um pouco com o grupo e foi para casa.
“Eu não tinha nenhum tipo de militância e tive aquele tipo de participação”, lembra ele.
No primeiro de abril de 64, da janela de seu apartamento, na avenida São João, ele viu uma pequena passeata de estudantes. “Jango no poder ou o sangue vai correr”, gritavam eles.
O ponto de virada de Aton, ocorreria alguns dias depois. Nas suas palavras:
“Eu me deparo com o que se tornou o meu futuro, a porta que se abriu para o meu futuro. Naquele tempo, jornais e revistas eram pendurados nas bancas. Vejo na banca de jornal perto de casa a revista O Cruzeiro aberta com fotografias de um senhor. A notícia dizia que aquele velho tinha sido preso no interior de Pernambuco e tinha sido arrastado. As fotografias estavam mostrando o dia em que ele tinha sido arrastado pelas ruas de Recife com as mãos amarradas a um para-choque de um jipe do exército. E era o grande comunista! A grande fera que estava sendo mostrada! Eu não esqueço o nome, que eu nunca tinha ouvido falar. Conheci o nome de Gregório Bezerra e eu me espantei com duas coisas. Eu me espantei com a dignidade dele, andando. Sabe quando a gente percebe quando aquela pessoa não está rendida? Aquela pessoa está confiante, orgulhosa, ela não se submeteu. Também me impactou um outro fato. Eu via nos filmes de guerra, de bangue-bangue, sempre os bandidos arrastando os mocinhos amarados no cavalo. Então, quem arrasta o mocinho é o bandido. Então a gente pode saber quem é bandido e quem é mocinho nessas fotografias. Como ali dizia que aquele era o perigoso comunista Gregório Bezerra, naquele momento eu decidi que eu queria ser comunista. Não sabia o que era ser comunista. Mas, para mim, era importante ser comunista porque Gregório Bezerra era comunista”.
Assim, o advogado Aton Fon começa a narrativa ao TUTAMÉIA sobre a sua trajetória. Militante de direitos humanos, ele integra a organização política Consulta Popular. Filho de um chinês e uma baiana, ele chegou a São Paulo com a família em 1954. O pai trabalhava com pastelaria; a mãe era costureira.
Nesta entrevista, ele rememora fragmentos de sua militância, analisa a resistência à ditadura militar e avalia a situação atual.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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