“Donald Trump não tem sido de todo mau para o Brasil. É uma bênção dos deuses ter um presidente como ele nos EUA no momento em que o Brasil está numa máxima fragilidade, com um governo fraco, vulnerável, em crise. Que o grande irmão do Norte esteja um pouco atrapalhado é favorável a nós”.
É a análise que faz o economista Paulo Nogueira Batista Jr. ao TUTAMÉIA. Ex-vice-presidente do banco dos Brics (o New Development Bank, NDB), ele avalia que a maneira pela qual Trump trata a China, “faz com que ela precise mais dos Brics”, o que fortalece o grupo.
Nesta entrevista, Nogueira Batista expõe um balanço dos 10 anos de Brics, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, contanto capítulos dessa história que ele presenciou. A articulação surgiu, por iniciativa da Rússia, pouco antes do estouro da crise mundial, em 2008. E “até 2015, O Brasil era o motor dos Brics”, declara.
Ele trata da perda de atuação internacional do Brasil pós-golpe. Comenta as sanções contra a Rússia e conflito entre China e Rússia. Tudo isso, na sua opinião, não coloca em risco o arranjo, mas cria “solavancos importantes”. “A perda [de atuação] do Brasil da África do Sul tornou o arranjo ainda mais desiquilibrado do que já era”.
Ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, Nogueira Batista morou em Washington e lembra do incômodo crescente dos cidadãos norte-americanos em relação à ascensão da China como potência mundial, ofuscando a primazia dos Estados Unidos.
“Trump é uma versão extremada dessa psicologia americana que vê o seu país como líder natural, o número um. Talvez os aspectos políticos e econômicos da ascensão da China tenham contribuído para a eleição de Trump”, diz. E emenda:
“Trump ou não Trump, tem o ‘deep state’, as grandes corporações. Isso não impede o Brasil de estar pagando um preço pela fragilidade do governo. Preço grande em termos de autonomia, de decisões que são tomadas, que são difíceis de reverter, de ativos que são vendidos em condições que são difíceis de avaliar, mas que parecem desfavoráveis”, como Embraer, Eletrobras, Petrobras.
PÁIS NÃO DEVE ABRIR MÃO DE EMPRESAS ESTRATÉGICAS
Nogueira Batista está preocupado com a desnacionalização da economia brasileira:
“O Brasil tem que ter um projeto nacional, de defesa dos interesses nacionais. Nos EUA, todos os governos são nacionalistas. O “América First” sempre foi o lema americano. França, Alemanha, China, EUA não permitem a aquisição de empresas estratégicas, a não ser que seja inevitável. Espero que essa janela se feche e o próximo governo seja capaz de entender o básico. Quer dizer: não abrir mão de empresas estratégicas, não abrir a economia sem contrapartidas, não permitir que instituições estruturadas se desestruturem. O combate à corrupção tem que ser feito punido os corruptos, não destruindo as empresas”.
A conversa vai para a Amazônia. Nogueira Batista se recorda de uma palestra que um militar proferiu na USP. Provocando inquietação, ele começou a fala dizendo: “Aa Amazônia não é do Brasil”. Depois de uma breve pausa emendou: “A Amazônia é Brasil”. A plateia, aliviada, apoiou o discurso.


ONGS PODEM SER PONTA DE LANÇA DE INTERESSES ESTRANGEIROS
“É isso. A Amazônia tem que ser vista como parte integrante do Brasil”, afirma. O economista faz um alerta sobre a ação de ONGs na região:
“Pessoas com boas intensões, são levadas a pensar que vamos resolver com ajuda externa [a questão amazônica]. Enorme ilusão. Pode ser útil a ajuda externa, mas tem que estar sob controle nacional e muito cuidado. Tem que saber muito bem que é quem são as pessoas da ONG, quem manda, quem financia. Temos que ter cuidado. Elas podem ser ponta de lança de interesses estrangeiros. Podemos cooperar com eles, pois o ambiente transcende as fronteiras dos países”.
TEMPOS DE PAZ DEIXAM PAÍS MAL-ACOSTUMADO
Nogueira Batista enfatiza que isso precisa ser feito até porque “os recursos naturais brasileiros vão valer cada vez mais”. Ele defende um diálogo maior da sociedade com os militares e afirma:
“É lamentável ver os militares brasileiros revistando mochila de criança nas favelas do Rio em vez de estarem dedicados ao que tem que fazer, que é a defesa nacional”. E acrescenta:
“Estamos mal-acostumados como país. Porque nunca enfrentamos uma guerra desde o tempo da guerra do Paraguai (1864-1870), que, mesmo assim, não adentrou o território nacional em grande escala. Estamos há muito tempo vivendo em paz. Nossas participações em guerras externas foram pequenas. Não podemos contar com isso para sempre. A experiência internacional mostra que todo o pais tem que cuidar de sua própria defesa”.
Ele cita os casos da Ucrânia, da Líbia e do Iraque. “Qualquer país tem que ter a capacidade de provocar num invasor externo um dano tão considerável que ele pense antes de ameaçar invadir. O Brasil precisar ter um poder dissuasório”.