Os protestos contra o racismo e a violência policial, a ampliação da atuação e da influência de movimentos como o Black Lives Matter e os ecos da campanha de Bernie Sanders lançam ventos de humanismo e progresso sobre a sociedade norte-americana. Contra eles, se ergue o furor de uma direita cada vez mais embrutecida, incentivada pelo presidente Donald Trump, que pode fazer do caos social a alavanca para se reeleger.

Essa é a avaliação do jornalista e cineasta Chaim Litewsky, que vive há mais de três  décadas nos Estados Unidos –desse período, passou 26 anos a serviço das Nações Unidas. Em entrevista ao TUTAMÉIA, o diretor de “Cidadão Boilesen” afirma que, apesar de pesquisas apontando o presente favoritismo do democrata Joe Biden, as coisas estão muito longe da definição.

“Estou muito preocupado com as eleições nos Estados Unidos. A gente não sabe o que vai acontecer. As pesquisas estão indicando que o Joe Biden está na frente. Mas uma pesquisa recente diz que na Flórida está pau a pau, não dá para decidir quem vai. Se o Trump leva a Flórida e mais dois estados importantes, mantendo o que ele tinha anteriormente, ele ganha as eleições. Eu diria que, neste momento, está mais para o Trump”, comenta o cineasta (clique no vídeo do alto para acompanhar a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Nada que seja muito tranquilo: “O Trump está preocupado. Ele sabe que, se sair agora, ele pode pegar uma cana. Estão rodando aí uns duzentos processos que, de alguma forma, o relacionam. Agora, por exemplo, há a questão dos impostos dele, que ele se recusa a abrir, a Justiça está dizendo que ele tem de abrir o que pagou nos últimos oito a dez anos, ele não abre. Até onde vai se chagar com isso? Se ele falar: “Eu não saio daqui, só saio à força”, como é que vai ser?”

Litewski lembra que “há uns meses, durante as campanhas para as primárias, uma coisa que se lia com frequência na mídia séria era que, se o Trump percebesse que ele iria levar uma goleada, ele sairia antes… Ele não está fazendo isso. Pelo contrário, ele está metendo o pé, ele na verdade, está elevando a temperatura e o tom da discussão, porque ele claramente está levando a conversa para esse racialismo que ele tem, não consegue parar de falar nisso, é um obcecado.”

O comportamento do presidente só fez aumentar os protestos contra o racismo e a violência policial que há meses se desenrolam nos Estados Unidos. Portland, por exemplo, no Oregon, vive manifestações há mais de cem dias. E o povo que vai às ruas tem sido ouvido por políticos e por instituições, que, à sua maneira, também reagem à ação Trumpista: vários prefeitos e governadores, por exemplo, recusaram a intervenção da Força Nacional para conter manifestantes.

Ao longo da entrevista, forma lembradas as vítimas mais recentes dos assassinatos por servidores do Estado –Geroge Floy, Ahmaud Arberg, Breonna Taylor, Tony Mcdade e Jayne Thompson, sem falar de Jacob Blake, que ainda luta pela vida depois de ter levado sete tiros em uma abordagem da polícia. Os protestos, avalia Litweski, têm contribuído para, de alguma forma, levar mais longe os ventos humanistas.

Chegaram até mesmo a locais tradicionalmente refratários à política, como os clubes e entidades de diversas modalidades esportivas. O cineasta lembrou e analisou, na entrevista, as amais recentes manifestações de atletas profissionais do beisebol, do futebol e do basquete –o campeonato da NBA chegou a ficar parado por causa de greve contra a violência policial sobre a população negra.

O que nem de longe afetou a postura do presidente Donald Trump, que mantém e reafirma seu discurso racista: “Ele deve ter percebido que ele tem chance de ganhar. Porque se não, a estratégia dele seria diferente. E a chance que ele tem para ganhar, pelas indicações do que ele fala e pelo modo com que a campanha dele está sendo conduzida, é investir no confronto. Ele não está desistindo, está radicalizando, partindo para o confronto.  Está num estado desesperador, mas acho que ele tem boas chances de ganhar. Essa é a realidade, pelo que estou vendo.”

Para Litewski, uma eventual vitória de Trump pode ter consequências ainda mais danosas e profundas do simplesmente a continuidade de sua desastrosa política: “Isso pode levar a uma desesperança tão grande na juventude, uma fossa –como se dizia anos atrás–, uma falta de sentido, que pode levar a uma radicalização, que aí você liga o automático e parte para o confronto. E aí o outro lado, como tem o poder na mão, se julga capaz responsável, de implementar aquela política contrária à radicalização, e isso , pelo fato de tanta gente estar armada, me preocupa muitíssimo”.

Nesse quadro, mesmo uma eventual vitória de Biden pode não ser suficiente para acalmar os ânimos. Ao contrário, Trump pode dobrar a aposta no confronto, partir para negar, não aceitar o resultado. E aí, na opinião de Litewski, o fiel da balança da democracia ameaçada estará nas mãos das Forças Armadas.

“Se o Biden ganhar por uma diferença pequena no colégio eleitoral, podem surgir problemas gravíssimos imediatamente. Porque o Trump talvez não queira sair. Aconselho vocês a ficarem particularmente de olho na atitude dos militares, tanto no Brasil como aqui. Acho que, em última análise, quem vai resolver, quem vai ditar as regras do que vai acontecer, dependendo do resultado das eleições, se a diferença for pequena, tem de ficar de olho nos militares, ver de que maneira eles vão reagir.”

Perguntamos se ele considerava a hipótese de intervenção militar. Eis a resposta do cineasta:

“Acho que poderia haver algum tipo de intervenção, claramente. Se o Biden ganhar por uma diferença pequena no colégio eleitoral, o Trump pode dizer não. Dizer que foi porque as pessoas votaram duas vezes, o sistema não é confiável, enfiam, as coisas que ele normalmente articula, e dizer que não sai. Vão tirar como? E aí os militares vão ter de tomar uma decisão de como tirá-lo. Ou isso vai para a Justiça, mas, se o Trump se recusar a sair da Casa Branca, o que acontece? Como é que vão tirá-lo à força?”

A pergunta fica no ar, mas a entrevista segue, e Chaim Litewski nos conta sobre projetos que têm em andamento: um livro, um documentário sobre PC Farias e outros três sobre episódios marcantes na história do Brasil. Também fala sobre “Cidadão Boilesen”, considerado um dos mais importantes documentários da história do cinema brasileiro.

“Eu luto”, diz o cineasta ao TUTAMÉIA. “Nosso negócio é a utopia. Tem de ser. A gente sempre procura ser otimista e positivo, a utopia vai levar a gente a um melhor lugar. Temos de andar sempre no lado do sol, na parte que está iluminada.”