“Foi um fato histórico. A CPI rompeu com um bloqueio informativo que existia em torno de como a pandemia estava sendo tratada pelo governo federal. Mostrou todas as entranhas da corrupção no Ministério da Saúde. E foi a única possibilidade que houve, durante todo esse período, de a sociedade ter uma visão alternativa àquela que vinha sendo dada pelo discurso oficial e que era reproduzida pelos meios de comunicação”.

A avaliação é do jornalista, escritor e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho ao TUTAMÉIA. Nesta entrevista, ele analisa a cobertura dos meios de comunicação social na pandemia, as movimentações políticas da mídia, as mudanças nos negócios do setor.

Professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa, Lalo trata da erosão no alardeado muro de separação entre redação e publicidade nos órgãos de comunicação, do avanço dos grandes grupos internacionais no mercado brasileiro e de modelos de regulação da mídia no exterior (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Lalo lembra que, no seu início, a CPI foi tratada de forma crítica pela mídia, como uma “forma de desqualificar”. “Só que não foi possível desqualificar porque as evidencias de corrupção, de gabinete paralelo, de negacionismo eram tão fortes que há um momento em que, por mais que a mídia queira contemporizar, isso se torna impossível”.

Analisando as capas dos jornais do dia da leitura do relatório da CPI, Lalo chama atenção para a foto de “O Globo”, com integrantes da CPI exibindo um trabalho artesanal em homenagem às vítimas da covid 19.

“O Globo dá isso hoje, mas deu aquele editorial criticando a possibilidade de ser considerado genocida o presidente da república. Quando eu vi essa ação de ‘O Globo’ e o recuo da CPI em relação ao pedido de indiciamento como genocida, eu me lembrei do tuíte do general Villas-Bôas. O tuíte do general foi para emparedar o Supremo. E emparedou. E, dessa vez, foi uma tentativa que deu certo de emparedar a CPI, para ela recuar no pedido de indiciamento como genocida do presidente da República”, afirma.

Para o professor da USP, “esse jogo da mídia vem mostrando que a linha da mídia tradicional histórica no Brasil é a de fortalecer os setores dominantes econômicos e políticos da sociedade e reforçar candidatos em torno dessas políticas para o governo, sempre em detrimento dos candidatos populares”.

Na sua visão, foi isso que “levou à criminalização da política nos últimos anos e abriu espaço para a chegada desse senhor à presidência da República”. Historicamente, diz, esse é o seu trabalho. Na atual conjuntura, no entanto, há uma dificuldade.

“A partir do Lula, a mídia passa a ter o papel de partido político. E, agora, nesses anos mais recentes já de Bolsonaro e de Temer, há uma busca desenfreada de um candidato que represente esse pensamento. Vem de Luciano Hulk, passa por Alckmin, Aécio. Foram várias tentativas frustradas. Porque não conseguem, do ponto de vista eleitoral, um candidato que represente esse pensamento”, declara. Ele segue:

“Não havendo mesmo a possibilidade da encarnação desse programa e dessas ideias por um candidato viável para a eleição do ano que vem, a grande mídia fica com Bolsonaro. Esse editorial de ‘O Globo’ só me fez confirmar essa minha impressão”.

De uma perspectiva mais ampla, ele analisa:

“Vivemos um momento muito conturbado dessa relação mídia e sociedade É um momento de transição que tem a ver com a questão tecnológica e de como isso se reflete nas relações sociais”.

Embora seja difícil prever os desdobramentos dessas transformações, o jornalista afirma:

“Os indícios não encaminham para um futuro que possa aspirar à informação como sustentáculo da democracia. O problema não está em regular a mídia. Regulação da mídia não é censura. Temos é que discutir a democratização da sociedade, dentro da qual a democratização da mídia é um dos instrumentos. Cabe discutir como se pode utilizar os instrumentos de comunicação para democratizar a sociedade. Porque se você não tem uma sociedade com veículos permitindo a livre circulação de ideias, você não tem uma sociedade democrática. E, quando chega o momento da escolha, acabam fazendo uma escolha dessas que nós temos aqui no Brasil”.