A greve dos petroleiros, que mobiliza mais de 20 mil trabalhadores em todo o país, foi deflagrada para defender o emprego de funcionários demitidos de uma fábrica de fertilizantes no Paraná, mas tem como pano de fundo a denúncia da processo de desmonte da empresa promovido pelo governo federal e a luta para que a empresa retorne a seu papel histórico.

É o que afirma Alexandre Castilho, diretor do Sindicato dos Petroleiros de São Paulo, em entrevista ao TUTAMÉIA (confira vídeo no alto desta página)

Na fábrica de Araucária, no Paraná, mil trabalhadores foram demitidos de uma tacada só, pois a empresa pretende desativar aquela unidade, alegando que causa prejuízo. Trata-se, afirma Castilho de um desrespeito flagrante do acordo coletivo, o que justifica o movimento grevista, iniciado no dia primeiro de fevereiro.

Por trás das demissões, diz o dirigente sindical, está o processo de enfraquecimento da empresa: “No pano de fundo existe um ataque à soberania nacional, sintetizado no processo de desmonte da Petrobras. O atual governo federal está acelerando a pauta de desmonte da Petrobras”.

A consequência é o prejuízo para o país e para o bolso dos brasileiros, conforme explica Castilho: “A Petrobras está facilitando a vida para a concorrência, abrindo mercado para os concorrentes internacionais, com prejuízo para o consumidor. O desmonte tem como consequência os preços altos da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. A política de seguir preços internacionais faz com que a empresa seja boazinha com todos os concorrentes internacionais. Atua como se não tivesse petróleo, o que é lesivo à empresa e lesivo à população”.

Reafirma: “Está facilitando para os concorrentes, abrindo mercado para os concorrentes, numa política. Perde espaço no mercado nacional. Chamo isso de autossabotagem.”

Ele continua:

“Nossa greve busca alertar a população de que esse desmonte significa na prática obrigar a população a pagar pelo resto da vida gasolina, diesel e gás de cozinha em preços internacionais. A Petrobras voltar a trabalhar como estatal é garantir à população preços acessíveis. É precisa voltar a garantir que a riqueza do povo brasileiro, que é o petróleo, volte a ser investida no próprio povo brasileiro. É o que não está acontecendo no momento.”

Lembra que “impedir que a Petrobras atue como uma estatal para promover o desenvolvimento do país gera desemprego, gera perda de conhecimento e deixa de avançar em conhecimento tecnológica. Você só tem a perder se não investe no próprio país”.

Por tudo isso, Castilho afirma: “A Petrobras está sendo vítima de uma má gestão, irresponsável, lesa pátria. Nós queremos salvar a Petrobras da mão daqueles que fazem o entreguismo de nosso país”.

O dirigente sindical destacou que essa é a segunda maior e mais longa greve da categoria –em 1995, a mobilização contra política entreguista de Fernando Henrique Cardoso redundou em paralisação de mais de trinta dias—e lembrou os apoios que a categoria vem recebendo.

Falou sobre manifestações de solidariedade dos movimentos populares e sindicais –de todo país partiram delegações para participar de ato conjunto no Rio de Janeiro, na última terça-feira (18.2)—e do apoio partido de parlamentares nacionalistas .

A própria ex-presidenta Dilma Rousseff lançou nota em que comenta a importância e o significado do movimento dos petroleiros. O texto também historia o desenrolar dos acontecimentos e momentos das batalhas jurídicas que se enredam com a mobilização trabalhista. A seguir, a íntegra do documento.

Manifestação de apoio à greve dos petroleiros realizada no Rio de Janeiro teve apoio de cerca de 15 mil pessoas — foto Divulgação/FUP

 “LUTE COMO UM PETROLEIRO

por  DILMA ROUSSEFF

O movimento dos trabalhadores da Petrobras é uma luta pelo emprego, mas serve de exemplo para todos os brasileiros

A greve dos petroleiros já entrou para a história. Representa um movimento importante contra o autoritarismo, o neofascismo e a agenda neoliberal. Nasceu em defesa do emprego dos funcionários de uma fábrica de nitrogenados do Paraná que pertence à Petrobras, mas adquiriu a dimensão de uma luta histórica pela democracia, pelos direitos humanos e pela soberania nacional. Os petroleiros nos representam ao exercer o inalienável direito de greve.

A Constituição brasileira afirma, em seu artigo 9º: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. A OIT (Organização Internacional do Trabalho), de cujos acordos o Brasil é signatário, defende que as greves podem ser de três tipos: 1) as de natureza do trabalho, que buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores; 2) as de natureza sindical, que buscam garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e de seus dirigentes; 3) as de natureza política, que possuem como objetivo, ainda que indiretamente, a defesa dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores.

Sob a chancela do TST (Tribunal Superior do Trabalho), a Araucária Nitrogenados, empresa da Petrobras, assinou com o sindicato da categoria, em novembro passado, um acordo formal que, em seu artigo 26, estabelece: “A companhia não promoverá despedida coletiva ou plúrima [em grupos], motivada ou imotivada, nem rotatividade (turnover) sem prévia discussão com o sindicato”.

Apesar de ter assumido este compromisso por escrito, a empresa passou a demitir os trabalhadores de uma de suas unidades, em grandes grupos, admitindo que vai despedir nada menos do que 1.000 empregados, vários deles com 30 anos de vínculo com a empresa e contratados por meio de concurso público.

O descumprimento de um acordo coletivo de trabalho é uma das mais legítimas razões para uma paralisação de trabalhadores. A defesa do emprego, ainda mais quando a sua estabilidade havia sido assegurada pelo empregador em documento oficial, pode ser considerada uma das mais evidentes motivações para uma greve como esta que os petroleiros estão fazendo há 19 dias, e que já atinge 121 unidades da Petrobras em 13 estados.

Portanto, greve mais do que justa, além de rigorosamente legal e de maneira alguma abusiva ou prejudicial aos consumidores. Mas o mesmo TST que mediou o acordo rasgado pela Petrobras, proibiu em decisão inédita que 90% dos empregados da Petrobras participem da greve, declarou a paralisação ilegal e ainda determinou punições pecuniárias exorbitantes ao sindicato, caso o movimento não fosse interrompido imediatamente. A decisão monocrática de um dos ministros do TST, sem consulta ao pleno do tribunal, recebeu surpreendente apoio do presidente do STF.

Muitas informações apresentadas até aqui são desconhecidas da população brasileira, porque a imprensa decidiu escondê-las e fazer do movimento dos petroleiros uma “greve invisível”, para evitar que a população compreenda suas motivações e possa, eventualmente, apoiá-las. A mídia tradicional não mostra as atividades e as manifestações dos grevistas, não noticia que a greve teve início porque a Petrobras descumpriu um acordo coletivo, não informa que o TST mediou este acordo posteriormente rompido unilateralmente e, assim, não diz que a greve é legal e justificada.

Apenas regimes totalitários proibem o exercício do direito de greve, seja diretamente, seja por subterfúgios judiciais. É o que está acontecendo no Brasil de Bolsonaro, em flagrante atentado à Constituição. Quando o TST decide que apenas 10% dos empregados da Petrobras podem participar de um movimento grevista, está extinguindo na prática o direito de greve, que é um dos mais importantes direitos humanos. Quando aplica multas exorbitantes e impagáveis ao sindicato que representa os trabalhadores, está estrangulando e buscando a extinção do movimento sindical e do direito de organização e manifestação. À Justiça do trabalho compete mediar conflitos, não tomar partido de um dos lados. Agindo assim, o sistema de justiça serve de arma dos empregadores contra os empregados.

O contexto desta crise é o esquema de sustentação do autoritarismo, emanado de um governo neofascista e neoliberal e que contamina as demais instituições. Por isto, a greve dos petroleiros ganhou dimensão política histórica para o país: é o mais importante movimento trabalhista organizado desde a ascensão da extrema-direita ao poder. Para os petroleiros, é uma greve para preservar empregos e salvar a Petrobras. Para os brasileiros, é um movimento pela existência da Petrobras e das riquezas do pré-sal, contra o entreguismo e contra a agenda neoliberal. Os petroleiros servem de exemplo a todos os brasileiros – trabalhadores, desempregados e cidadãos submetidos a formas precárias de emprego.

Os petroleiros obtiveram uma vitória, ontem, anda que parcial. O TRT do Paraná determinou que o acordo coletivo seja cumprido e que nenhum empregado seja demitido, pelo menos até o dia 6 de março, quando novas negociações deverão ser feitas.

Mas os petroleiros já têm a história em suas mãos, por protagonizar em circunstâncias tremendamente desfavoráveis um movimento em defesa de direitos trabalhistas, mas sobretudo pela bravura com que ousam enfrentar os patrões, os inimigos da Petrobras, a parcialidade do Judiciário, o silêncio do Congresso e a omissão da mídia.

Com sua “greve invisível”, estão dando exemplo e fazendo sua parte na luta pela reconquista da democracia. A greve dos petroleiros merece todo o nosso apoio. Os petroleiros estão lutando pelo Brasil e por nós. Sua vitória será a vitória do povo brasileiro.

E pelo menos uma lição os corajosos grevistas da Petrobras estão ensinando aos brasileiros neste momento: “LUTE COMO UM PETROLEIRO”.