O brasileiro Edmur Péricles de Camargo foi sequestrado no aeroporto de Ezeiza, na Argentina, por volta das quatro da tarde de 16 de junho de 1971. Retirado à força de dentro de um avião da Lan Chile, o comunista foi levado ao Galeão, no Rio de Janeiro, e está até hoje desaparecido.

O crime de lesa-humanidade foi tramado e executado pela ação conjunta das forças repressivas das ditaduras do Cone Sul, que se organizariam na Operação Condor. Cinquenta anos depois, uma ação na justiça argentina busca desvendar detalhes do caso e identificar os responsáveis.

A iniciativa é de Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, e de Jair Krischke, fundador e atual presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, a mais antiga organização de direitos humanos do Brasil, fundada logo após a Anistia, em Porto Alegre.

Um dos maiores pesquisadores do país sobre a Operação Condor, Krischke fala ao TUTAMÉIA sobre o caso Edmur e outros tantos crimes cometidos pelas ditaduras sul-americanas. Na entrevista, ele narra histórias de militantes que foram perseguidos, presos e assassinados, compara os processos de redemocratização na região, cobra ações da Justiça e avalia a situação brasileira (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“Não podemos transigir. Não podemos absolutamente ceder um milímetro sequer. Temos que seguir fiéis às nossas convicções de que o ser humano é o centro das nossas preocupações. Por isso, sempre que possível, elejam como prioritária a questão dos direitos humanos. Essa é a nossa luta, e vale a pena”, conclama Krischke.

TRAGÉDIA À MARGEM DA LEI

A Operação Condor foi batizada em 1975, em Santiago do Chile, em reunião das forças repressivas. Mas ela já atuava havia anos. De acordo com Krischke, o primeiro caso com brasileiros foi o do oficial da marinha Jefferson Cardim Osório.

Militar nacionalista ligado a Leonel Brizola, Cardim havia liderado a primeira ação contra a ditadura brasileira, em Três Passos, no Rio Grande do Sul, em 1965. Em 1970, Cardim foi preso na Argentina. O crime contra Edmur foi o segundo da Operação Condor.

“Era uma reunião dos aparelhos repressivos para agir contra aqueles que se rebelavam contra as ditaduras da região, contra aqueles que haviam decidido a enfrentá-las. Todos aqueles que contrariavam as ditaduras poderiam ser vítimas, serem assassinados no exterior ou capturados e trazidos pelo país que tinha interesse. Isso é terrível”, afirma Krischke sobre a Condor.

Ele ressalta:

“Essas ditaduras não conheciam fronteiras, só fronteiras ideológicas. As fronteiras legais, os tratamentos do direito internacional… Tudo era feito à revelia da lei e causou graves tragédias na nossa região, assassinando, matando, capturando crianças –ainda hoje se busca reencontrar os seus pais. Tudo isso foi fruto da mente brasileira, que criou a prática que depois foi batizada como Condor”.

Ao TUTAMÉIA, Krischke diz estar confiante sobre os desenrolar da ação na Argentina a respeito do caso Edmur:

“Tenho muita esperança. Já que a justiça brasileira, aspas, não se atreve a cometer um ato de justiça e condenar esses criminosos de crimes de lesa-humanidade, quem sabe a justiça do país irmão o fazendo crie um certo constrangimento que mude um pouco esse entendimento, que já vem do STF, de que os crimes todos foram anistiados. É um equívoco jurídico brutal, mas foi o entendimento do Supremo”.

Krischke relembra os processos de derrubada das ditaduras no continente. Fala da importância da derrota nas Malvinas para o fim do regime na Argentina, que tratou de responsabilizar e punir os criminosos de farda. No Brasil, a história foi diferente:

“Foi um acordo. Celebrado esse acordo, os senhores militares não aceitam absolutamente que lhes aponte o dedo e nomeie os seus crimes. É impressionante. Eles se comportam como se fossem meninas moças e criam uma celeuma para não assumir uma responsabilidade”.

Tratando do governo Bolsonaro e dos militares no poder de hoje, declara:

“Eles passaram todos esses anos, desde o fim da ditadura, num esforço claro de lavar a cara, de formar uma boa imagem frente à opinião pública. E haviam conseguido. Mas com a tragédia desse governo –que é uma tragédia de qualquer ponto que se examine, e que tem a participação de militares–, a conta virá e já está chegando. Essa identificação de um governo trágico incompetente, safado, com os seus vínculos militares. Isso é muito ruim”.

Sobre o processo eleitoral, ele afirma:

“Gostaria que não só se elegesse um presidente da República comprometido com os direitos humanos, mas também um congresso nacional que o respalde. Se não, não vamos avançar. Eu tenho muito receio. Lula e Dilma não puderam avançar mais. Eu esperava mais. Eles não puderam avançar porque não tinham um parlamento que respaldasse”.