“Quando entrei na universidade, em 67, me deparo com a violência. Passeatas muito reprimidas. Você passa a participar do movimento estudantil muito em resposta à violência que você está vendo. Era inevitável. Uma pessoa de 17 anos que tem um mínimo de sensibilidade diante daquela violência que ocorria, não podia não se juntar à resistência, que era o movimento estudantil naquele momento”.
É o que afirma a cineasta Lúcia Murat, 75, ao TUTAMÉIA. Liderança estudantil no Rio de Janeiro e integrante da luta armada, ela foi presa e torturada pela ditadura militar. Nesta entrevista, gravada em 21 de fevereiro de 2024, ela fala sobre sua trajetória, presente em vários filmes que dirigiu, como “Que bom te ver viva” e “A memória que me contam”.
Lúcia conta que, quando do golpe, vivenciou o sufoco que sua família sentia. “Meu pai era uma pessoa progressista, um médico. Alguns amigos dele foram presos. Ficamos com medo em casa”, relata
Tempos depois, um amigo vizinho lhe contou que o apartamento de Lúcia foi o único que não exibiu bandeirinha a favor do golpe. “A gente morava em Copacabana. Uma boa parte da classe média apoiou o golpe”, afirma.
Dos primeiros anos da ditadura, Lúcia lembra da importância da resistência cultural:
“Ver um show do Opinião, ver a Nara, a Bethânia. O Cinema Novo. Isso ficou muito mercado. A resistência cultural à ditadura ficou muito presente na memória daquela jovem. Um show do Opinião era uma coisa linda! Filas e filas! E você ia várias vezes. Era uma maneira de você se sentir parte da luta pela democracia”, afirma.
Nesse processo, recorda, ganhou força a luta contra o conservadorismo: “A gente lia Simone de Beauvoir, tinha a revolução sexual, estávamos rompendo com tudo. 68 veio arrebentando. Era uma sensação de liberdade muito grande, apesar da repressão, de apanhar e de ter sido presa. O Ato 5 acabou com tudo”.
Ela segue:
“A gente estava discutindo a luta armada, porque já esperávamos um endurecimento. Com o AI-5, a gente passa para a ação. Eu fiquei o ano de 69 todo praticamente fazendo ações junto à área operária, em fábricas. Você distribuía panfletos, fazia jornal, buscava contatos”.
Presa e torturada, ela conta de como chegou numa audiência:
“Eu não andava, tinha a perna torta, tudo aberto por causa do pau de arara. Tinha 21 anos e estava totalmente destruída. Eles não tiveram como olhar; baixaram a cabeça”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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