“Ele era um homem à frente do nosso tempo, um homem com capacidade de pensar muito à frente e com uma capacidade de realização impressionante, um mobilizador capaz de, através de lutas, conquistar direitos para o povo de São Paulo.” Esse era o padre Ticão nas palavras do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que acompanhou muito da trajetória desse líder religioso e popular, morto nesta sexta-feira (1º de janeiro de 2020).

De nome civil Antonio Luiz Marchioni, mas conhecido por todos como padre Ticão, tinha 68 anos e morreu por causa de problema cardíacos, no Hospital Santa Marcelina Itaquera, onde fora internado no dia anterior com arritmia cardíaca e edema pulmonar. Nascido no interior de São Paulo, em Urupês, realizou sua missão evangelizadora e mobilizadora na zona leste de São Paulo -era pároco na igreja São Francisco de Assis de Ermelino Matarazzo.

“O padre Ticão é um daqueles padres da safra da Teologia da Libertação, da igreja de dom Paulo Evaristo Arns”, disse Paulo Teixeira ao TUTAMÉIA ao falar sobre a trajetória e o legado o religioso. “Ele começou a sua condição de padre na zona leste de São Paulo quando o bispo de então era dom Angélico Sândalo Bernardino. E o dom Angélico chamava o padre Ticão –ainda chama—de “O Trator de Deus”, talvez pela capacidade do padre Ticão de implementar direitos, de fazer valer e de, através das lutas, conquistar direitos para o povo de São Paulo, do Brasil.”

A seguir, trechos do depoimento do parlamentar na homenagem ao padre Ticão (clique no vídeo acima para assistir à entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“Ele sempre acreditou na mobilização do povo. Tinha uma estratégia de mobilização muito curiosa: ele fazia panfletos coloridos. Quando você olhava aquele panfleto, já sabia: aquele era um panfleto do padre Ticão.

“Teve sempre uma enorme capacidade de mobilizar o povo para lutar por seus direitos. O que talvez foi o mais significativo para São Paulo foram as lutas por moradia, na década de 1980. Há uma foto muito impressionante da luta por moradia, na frente da igreja de São Miguel, durante um período de chuva, todo mundo de guarda-chuva naquela luta, que resultou em um programa habitacional no município e no Estado e nacional. Daquelas lutas surgiu o CDHU, daquelas lutas surgiu o Fundo Estadual para a Moradia. E ele organizou o povo de uma maneira muito impressionante. Ele organizou o povo e fez um enfrentamento muito importante, junto com dom Angélico, que resultou num programa habitacional de autogestão, através de mutirões. Foram eles que desbravaram e deram grandeza a esse processo.

“O Movimento por Moradia tem no seu nascimento a mão do padre Ticão. É um movimento hoje nacional, um dos principais movimentos populares em nosso país, que tem no seu nascedouro a mão do padre Ticão e a mão de dom Angélico.

“Além disso, ele transformava cada Campanha da Fraternidade em uma conquista, em um fato concreto ligado ao tema da mobilização. Na Campanha da Fraternidade do meio ambiente, ele conquistou o parque ali para a zona leste, o parque Dom Paulo Evaristo Arns. Ele sempre enxergava, nas campanhas, uma janela para implementar um equipamento, uma política específica para aquela área. Na comunidade dele, todas as campanhas se transformaram em um equipamento para a população.

“Ele tinha uma crença de que a zona leste poderia se desenvolver mais se tivesse um polo de conhecimento. E ele lutou muito para que tivesse um campus da USP na zona leste –hoje tem a USP Leste. E lutou também por um campus da Unifesp, que também conquistou, mais uma faculdade de medicina voltada para a medicina da família.

“Ele também foi grande lutador do movimento de saúde. Da luta dele saíram dois hospitais, o de Ermelino Matarazzo e o do Itaim Paulista. Ele achava que essa medicina baseada na indústria farmacêutica é uma medicina prejudicial às pessoas. Então ele começou a trabalhar a ideia da fitoterapia, começou a trabalhar a ideia de plantas curativas. Até que deu um salto muito corajoso: foi o maior difusor no Brasil do uso medicinal da cannabis. Ele realizava cursos em que frequentavam cinco mil pessoas, cursos vinculados à Unifesp.

“E ele fez, há vinte dias, um missa que chamou de Missa Cannabis, em que eu tive a oportunidade de participar. Durante a missa, ele levou várias mães católicas e evangélicas, que falaram do uso da cannabis nas suas famílias, e a cura que a cannabis levou para crianças com epilepsia, para pessoas com dores crônicas… Ele fez a missa e quem cantou na missa foi aquele pessoal do Unidos do vegetal, eles que foram o coral.

“Ele reuniu, nos cursos, o conhecimento médico brasileiro sobre esse assunto, e teve a coragem de retirar o aspecto demoníaco da cannabis.

“Era um homem à frente do nosso tempo, um homem com capacidade de pensar muito à frente, e com uma capacidade de realização impressionante, que mereceu esse apelido de “Trator de Deus”, dado por dom Angélico.

“Esse é o padre Ticão. Um homem sábio. Na política, muito equilibrado. Tinha trânsito em vários espectros político. Tinha trânsito forte no PT, era um apoiador da Luiza Erundina –apoio o Boulos na última eleição–, mas também tinha seu diálogo quando o PSDB apresentava uma pauta mais progressista.

“Ele marcou a vida da cidade de São Paulo. Um profundo conhecedor do Evangelho, criou um grande número de seguidores e lutadores, seguidoras e lutadoras, porque as mulheres sempre estiveram ali, na frente, na comunidade do padre Ticão. Um grande, um gigante, imenso, caudaloso homem que fez história na zona leste de São Paulo.”