“A legalização do aborto na Argentina é uma conquista histórica das mulheres e que todas as pessoas que acreditam que os direitos precisam ser ampliados. Simbolicamente é muito importante por ser o país do papa a afirmar com tanta clareza e com tanta firmeza que o Estado precisa ser laico. É um exemplo para a América Latina como um todo. A Argentina alcançou nesse momento uma noção de laicidade que é muito importante, fundamental para a vida, para a saúde das sociedades. O Estado é laico e o Estado precisa decidir suas políticas a partir do interesse da sociedade como um todo. A religião não pode ser aquilo que vai dar o tom das decisões das políticas de Estado. Nesse caso, é a área de saúde que tem que dar o tom”.

É o que afirma a pastora luterana Lusmarina Campos Garcia ao TUTAMÉIA. Teóloga e pesquisadora em direito na UFRJ, nesta entrevista ela fala da luta pela legalização no aborto no Brasil, trata dos casos de feminicídio e avalia a situação da mulher na pandemia. Discute a violência, o machismo, o pensamento patriarcal e as consequências do fato de um grupo de extrema direita governar o país.

Para ela, “o governo Bolsonaro é medieval, de retrocesso completo. É uma vergonha para o Brasil. Um desrespeito à dignidade humana, à vida. A população e o Brasil não merecem isso” (acompanhe a íntegra a conversa no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Na questão do aborto, a pastora lembra que ao menos 500 mil abortos são realizados por ano no Brasil, expondo as mulheres a riscos de saúde e à morte. As mulheres mais pobres são as mais vulneráveis, pois não podem pagar por procedimentos em clínicas particulares. “Criminalizar o aborto é colocar uma carga desnecessária sobre um procedimento que faz parte da vida das mulheres, lançando as mulheres, principalmente as mais empobrecidas na sociedade, numa situação de completo desamparo por parte do Estado. A criminalização do aborto é uma condenação às mulheres mais empobrecidas da sociedade. A legalização é uma questão de justiça social. Precisa ser feita para que a gente consiga conquistar uma igualdade maior com respeito à vida das mulheres na nossa sociedade”, diz.

Segundo a pastora, “a maternidade tem que ser um direito, não pode ser uma obrigação. As mulheres e os homens precisam ter a liberdade de tomar a decisão de qual é o tempo no qual eles estão preparados para a maternidade, a paternidade. A descriminalização é fundamental para deixar as pessoas livres para tomar a decisão. A criminalização do aborto retira das mulheres a sua autonomia de planejar o seu futuro. Retira da mulher o caráter de sujeito ético de pessoa com competência para tomar decisões a respeito de si própria a respeito de sua própria família”.

O contexto dessa mentalidade, ressalta Lusmarina, é o desejo de “enquadramento das mulheres a partir do referencial da sujeição; essa lógica perpassa o discurso das igrejas”. É o mesmo pensamento patriarcal –que não considera a mulher como ser autônomo– que está na raiz da violência doméstica. “A gente vive numa estrutura de pensamento violenta, seja em relação ao aborto, seja em relação às estruturas sociais, seja em casa”, resume.

A teóloga fala das dificuldades atuais para a organização da luta das mulheres, especialmente com a existência do governo Bolsonaro, que exige combate em várias frentes. “Há retrocessos na educação, nos direitos do trabalhador, na preservação da natureza. A agenda econômica neoliberal é cruel. A gente precisa desmontar isso. E a gente só desmonta isso por meio de consciência política”.

Apesar dos obstáculos, Lusmarina fala das lutas das mulheres no país, da formação recente de grupos, o da rede de mulheres evangélicas negras. “Há uma potência na ação das mulheres, que vão tomando consciência do que significa a legislação discriminatória contra as mulheres, resultado da mentalidade patriarcal de submissão e de dominação das mulheres. Temos que lutar. A gente não pode se submeter mais. Estou advogando pela insubmissão. O direito ao aborto é um direito humano das mulheres. Vamos conseguir derrubar o patriarcado”.