“Estamos fazendo uma greve de fome contra a fome. Estamos colocando as nossas vidas a serviço da salvação do Brasil. Estão pisoteando a Constituição. Hoje quem está defendendo a Constituição não é o guardião da Constituição, mas o povo brasileiro”.

Palavras de Jaime Amorim, grevista de fome em entrevista exclusiva ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). Para ele, esta semana é decisiva para o processo político brasileiro. O Supremo Tribunal Federal deveria pautar a questão da prisão em segunda instância e seguir a Constituição –que estabelece a prisão quando esgotados todos os recursos. Lula, portanto, deveria ser solto e ficar apto a participar das eleições.

Se o STF não fizer isso, “será um desastre para o povo brasileiro”, declara. E completa: “Esperamos que não sejam irresponsáveis” [e intervenham no sentido da garantia da democracia e do Estado de Direito]. Amorim destaca a importância da decisão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que determinou a participação de Lula nas eleições.

“Lula não praticou crime”, diz Amorim. Segundo ele, o movimento grevista “não é só pelo Lula ou pelo PT, mas por aquilo que Lula representa para o povo, a esperança”. Ele enfatiza que a prisão com condenação em segunda instância –como no caso Lula– hoje atinge um quarto dos presos. E acrescenta:

“Apesar do golpe e de todo esse retrocesso que vivemos, o povo brasileiro acordou, está percebendo que estamos vivendo um retrocesso histórico. E não vai permitir mais ser submisso aos interesses das elites brasileiras. Se o poder judiciário não resolver as questões –ele está politizado—e. se na política não se consegue mais resolver, o povo brasileiro vai saber como encontrar a forma de como tem que resolver. Se depender de nós, das nossas vidas, para garantir que essa parte possa ser resolvida, nós estamos colocando a serviço”

E segue: “Acima de tudo, o sentimento que temos é que o povo já definiu: vai exigir que Lula seja candidato à Presidência da República, vai eleger Lula presidente da República”.

Assentado no Nordeste e líder do MST, ele descreve os avanços na região durante os governos petistas e o desmonte efetuado pelos golpistas. “Está tudo destruído”, declara, ressaltando a volta da fome. Na raiz do processo, ele aponta interesses da elite aliada do capital estrangeiro na condução da “desconstrução da soberania”.

Amorim fala ao TUTAMÉIA no exato momento em que a greve de fome entra em seu 22º dia. Aos 58 anos, o pernambucano da Via Campesina está sentado numa cadeira. Diz que seguirá falando, mesmo quando só puder ficar deitado.

Explica a opção radical do grupo, formado por Frei Sérgio Görgen, 62, Gegê Gonzaga, 68, Zonália Santos, 48 anos, Vilmar Pacífico, 60, Leonardo Soares, 22, Rafaela Alves, 31. Eles estão em Brasília e têm acompanhamento médico. A greve de fome é histórico instrumento de luta. Gandhi a utilizou várias greves. Palestinos, irlandeses e muitos outros fizeram greves contra opressões.

Nesta entrevista, Amorim expõe pontos essenciais de um projeto de país. Pede a revogação das medidas do governo golpista, reformas política, agrária, tributária, urbana.

Leia a seguir o manifesto dos grevistas, lido na instalação da greve de fome, no dia 31 de julho, em Brasília.

Gegê, Rafaela, frei Sérgio, Jaime, Vilmar e Zonália, que iniciaram a greve de fome em Brasília; hoje Leonardo também está no grupo – foto Adilvane Spézia

MANIFESTO DA GREVE DE FOME

Nós, militantes dos movimentos populares do campo e da cidade, ingressamos conscientemente na “Greve de Fome por Justiça no STF”, iniciada no dia 31 de julho de 2018 em Brasília, por tempo indeterminado.

Nossa opção por esse gesto extremo de luta decorre da situação extrema na qual se encontra nossa Nação, com a fome e as epidemias retornando e o desemprego desgraçando a vida de nosso povo.

O que motiva nossa decisão é a dor e o sofrimento dos brasileiros e brasileiras. Nossa determinação nasce também pelo fato de que o Poder Judiciário viola a Constituição e impede o povo de escolher pelo voto, soberanamente, o seu Presidente e o futuro do país.

Nosso gesto quer denunciar, defender e apelar.

Denunciamos a volta da fome, o sofrimento e o abandono dos mais pobres, sobretudo as pessoas em situação de rua, das periferias, os negros, indígenas, camponeses, sem terra, assentados, quilombolas e desempregados;

Denunciamos o aumento da violência que ataca, sobretudo, mulheres, jovens, negros e LGBTs;

Denunciamos a situação dos doentes, da saúde pública, das pessoas com deficiência, a volta das epidemias e da mortalidade de crianças;

Denunciamos os ataques à educação pública, que deixam a juventude sem perspectiva de vida;

Denunciamos a volta da carestia, o aumento do preço do gás, da comida e dos combustíveis;

Denunciamos as tentativas de aniquilamento da soberania nacional, através da entrega de nossas riquezas ao capital estrangeiro: Amazônia, terra, petróleo, energia, biodiversidade, água, minérios e empresas públicas essenciais à geração de emprego e ao bem-estar do povo;

Nos indignamos e não aceitamos o sacrifício anunciado de duas gerações: as crianças e os jovens;

Defendemos o direito do povo de escolher livremente, pelo voto, seu próprio destino, elegendo à Presidência o candidato de sua preferência;

Defendemos a volta da plenitude da democracia e a vigência integral dos direitos fundamentais presentes na Constituição Federal, hoje negada e pisoteada.

Apelamos ao Supremo Tribunal Federal pelo fim das condenações sem crime, das prisões ilegais sem amparo na Constituição e pela libertação imediata do Presidente Lula, para que possa ser votado pelo povo brasileiro.

A situação de desespero do povo tem muitas causas. Neste momento, entretanto, os agentes diretos pelo massacre, pela a injustiça e pela destruição da Constituição, têm nome e sobrenome: são donos da rede globo e estão nos tribunais em Curitiba e Porto Alegre. São responsáveis pelo que acontecer com qualquer dos Grevistas de Fome.

Apelamos aos Ministros do Supremo Luiz Edson Fachin, Carmen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Alexandre de Moraes para que respeitem a Constituição, garantam o retorno à normalidade democrática, anulem a condenação sem crime do presidente Lula, reponham o direito à presunção de inocência e o direito do povo de escolher seu presidente de forma livre e democrática. São eles também responsáveis caso algo grave aconteça aos que estão em greve de fome.

Afirmamos que nossa greve de fome é uma escolha livre e consciente para evitar que nosso povo volte a passar fome por imposição. 

Tomamos a decisão de iniciar esta Greve de Fome e colocamos as decisões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal como condicionantes para seu encerramento, atendendo aos clamores da maioria do povo brasileiro.

Acreditamos no povo brasileiro, nas possibilidades de nossa Nação e temos a firme esperança de que vamos superar este momento grave de nossa história para inaugurar uma nova fase de justiça e fraternidade na vida das brasileiras e dos brasileiros.’

BRASÍLIA – DF, 31 DE JULHO DE 2018

ATUALIZAÇÃO  ATUALIZAÇÃO ATUALIZAÇÃO ATUALIZAÇÃO ATUALIZAÇÃO

A greve de fome foi encerrada no dia 25 de agosto de 2018. Depois de um ato inter-religioso e grandes manifestações de apoio, além de reuniões com ministros do Supremo Tribunal Federal, os grevistas consideraram sua camapnha vitoriosa e decidiram terminar o movimento, seguindo sempre na luta pela democracia e pela soberania nacional. A seguir, íntegra do manifesto assinado pelos grevistas de fome no dia de hoje:

MANIFESTO DA GREVE DE FOME POR JUSTIÇA NO STF À MILITÂNCIA POPULAR E AO POVO BRASILEIRO

No dia 31 de julho, iniciamos a Greve de Fome por Justiça no STF –Supremo Tribunal Federal, com um manifesto à sociedade que foi protocolado no próprio STF, num ato político que resultou em repressão absurda e descabida aos militantes grevistas. Mas não conseguiram calar as nossas vozes: resistimos e ainda mais fortes e indignados, deflagramos o processo da greve de fome.
Nosso objetivo com a greve é contribuir na luta pelo enfrentamento ao golpe que sob o contexto de crise profunda do capital, amplia os processos de exploração do trabalho e dos nossos bens naturais, causando aumento da desigualdade, da fome, da miséria, do desemprego e da violência social. A greve de fome luta por soberania popular, pelo controle de nossos bens estratégicos do petróleo e da energia, pelo direito do povo de participar do poder e decidir os rumos do país. Por isso lutamos pela libertação do presidente Lula, que está encarcerado desde o dia 7 de abril, sem crime e sem prova. Portanto Lula é inocente e sua prisão tem caráter político.
Denunciamos com a greve de fome a ditadura do judiciário, principalmente do STF que de forma arbitrária tomou o lugar do povo, rasgando a Constituição brasileira e fragilizando ainda mais a democracia, construída na dura disputa da luta de classes.
Sabemos que a greve de fome é um ato extremo, mas o praticamos de forma consciente, inspirados na revolucionária resistência ativa, historicamente forjada pelos povos que não baixaram a cabeça diante das elites dominantes.
E após 26 dias de Greve de Fome, decidimos por sua suspensão, por entender que ela cumpriu com seu sentido provocador dos objetivos que propusemos desde o início desta ação politica. Nos sentimos vitoriosos, pois assim se sentem os povos que lutam e tivemos acúmulos importantes para o conjunto da luta popular.
Conhecemos melhor quem são os chamados operadores do direito, ministros e asseclas do poder judiciário. Vimos como se movem por um teatro fantasioso, guiados pela mídia burguesa, com pouca sensibilidade pelo povo, e nenhum respeito pela constituição. Como opera o governo dos golpistas, seus interesses explícitos de estar a serviço do capital estrangeiro, das empresas transnacionais, dos bancos e do seu próprio bolso.
Conhecemos melhor como funciona a mídia burguesa, mentirosa, que se pauta apenas pelos interesses de seus patrões e da manutenção do poder aos privilegiados. Como age o poder legislativo, peça fundamental do golpe e seu total distanciamento dos problemas reais do povo.
Nestes 26 dias de greve, ocupamos o STF com nossos atos políticos e inter-religiosos, através de audiências com diversos ministros, pautando a necessidade de votar as ADCs – Ações Declaratórias de Constitucionalidade, assegurando a presunção de inocência.
Denunciamos o não cumprimento da Resolução da Comissão de Direitos Humanos da ONU pelo Brasil, que determina o direito de Lula ser candidato nas eleições de 2018.
Seguimos firmes na luta e dispostos a contribuir com as tarefas históricas e os desafios que estão colocados para os movimentos e organizações do campo popular. Lutaremos de forma incansável pelo respeito à justiça, garantindo Lula Livre e pelo seu direito de disputar as eleições. Pela construção soberana de um Projeto Popular para o Brasil.
Nossas principais tarefas políticas são trabalho de base, formação política e retomada das lutas da massa. Precisamos ouvir o povo, estar inserido na sua luta cotidiana de resistência e provocar processos de lutas contundentes. As formas de trabalho de base são variadas, e devem envolver as visitas nas casas, as reuniões de pequenos grupos, assembleias populares, a construção dos Congressos do Povo e da Frente Brasil Popular.
Devemos travar a batalha das ideias na disputa da comunicação popular, enfrentando o poder ideológico da grande mídia.
Teremos ainda muitas batalhas coletivas pela frente, mas temos a certeza que “se calarmos, as pedras gritarão!” Nosso desafio é que a luta atual, se transforme em força social capaz de virar o mundo e destruir privilégios. Não pagaremos a conta do fracasso desse modelo de sociedade. Por isso a luta vale a pena e a vida vale a luta! Essa luta é nossa! Essa luta é do povo!!
Brasília, 25 de agosto de 2018.
Jaime Amorim, Zonalia Santos, Rafaela Alves, Frei Sergio Gorgen, Luiz Gonzaga Silva – Gegê, Vilmar Pacífico e Leonardo Nunes Soares.”