“Nós, da esquerda, fizemos uma aposta de reconstrução da esquerda. É a formação da França Insubmissa e, agora, da União Popular, que se tornou mais forte. É feita com várias pessoas que saem dos partidos de esquerda, que não davam mais as respostas, e dos movimentos sociais. Para fazer uma frente com um projeto radical de esquerda: de retomada dos serviços públicos importantes, de aumento de salários, da aposentadoria aos 60 anos, da retomada da qualidade das escolas públicas, da planificação ecológica, da melhor alimentação, da transferência da energia, saindo da dependência da nuclear, e de criação da sexta república –uma reforma política importante, porque hoje vivemos abstenções que chegam a mais de 50%”.
É que afirma ao TUTAMÉIA a historiadora brasileira Sílvia Capanema. Professora na Sorbonne Paris Nord, ela é conselheira departamental de Seine-Saint-Denis (cargo equivalente ao de deputada estadual) pela France Insoumise, eleita em 2015 e reeleita no ano passado para um mandato de oito anos. Integra o Parlement de l’Union Populaire, da campanha de Jean Luc Mélenchon.
Nesta entrevista, ela avalia o quadro político francês e as chances de cada grupo nas eleições do próximo domingo (10/4). Analisa o desempenho de Emmanuel Macron (que lidera nas pesquisas), o avanço da extrema direita e o aumento nos apoios a Mélenchon (em terceiro nas sondagens), em cuja campanha ela está militando. Acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV.
Para Capanema, é possível haver um “crescimento de última hora”. “Podemos ir ao segundo turno para barrar a extrema direita. É uma esperança real; já houve surpresas em eleições francesas”, afirma.
A parlamentar cita as mobilizações de rua, os comícios e os manifestos de personagens de destaque que anunciaram o apoio ao candidato da França Insubmissa.
“Será histórico, não somente por levar uma esquerda ao segundo turno, mas uma esquerda refeita, de transformação social. E também significa eliminar desde o primeiro turno a extrema direita. Isso é de uma importância muito grande, porque sabemos de todas as destruições que são causadas por um governo de extrema direita”, declara.
Ao TUTAMÉIA, Silvia Capanema fala sobre o movimento dos coletes amarelos, do racismo, da “dificuldade da sociedade em aceitar o seu passado colonial e imperialista”.
Trata das transformações na sociedade francesa nos últimos anos. Na sua visão, ocorreram dois movimentos concomitantes: “Houve a despolitização causada pela crise da esquerda tradicional e o avanço de uma extrema direita que se banaliza como normal nos meios de comunicação”.
Ela enfatiza:
“Os grandes meios de comunicação franceses são propriedade de nove grupos; os principais, de cinco grupos apenas. E esses grupos são de grandes milionários da fortuna francesa. Cinco famílias francesas detêm tanta riqueza quando 27 milhões pessoas na França! Essa concentração de renda chegou a níveis absurdos. Eles dominam os meios de comunicação, dominam a política de certa forma. Isso se tornou um grande impasse democrático”.
Examinando o cenário político da França nos últimos anos, ela afirma:
“Os anos do Partido Socialista, do François Hollande, foram anos de muita renúncia social, com medidas antissociais, como o corte nas subvenções equivalentes ao Bolsa Família, as mudanças na legislação trabalhista que não eram favoráveis aos trabalhadores, a adoção de políticas de austeridade econômica, de corte de gastos do Estado em setores fundamentais. Tudo isso causou uma crise profunda na esquerda tradicional, que era a do PS”.
Ela segue:
“A extrema direita, que tem uma certa força, vai pegar nesse vazio. O Macron recupera um pouco dos antigos social-democratas, dessa esquerda centro, mas que está tendo uma tendência de queda. O que propomos é uma reforma política com a criação de uma nova República, que leve em conta mais democracias locais, referendos. Até mesmo o voto obrigatório começa a ser discutido na sociedade francesa por meio do nosso programa”.
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