“Eles chegaram bem tarde da noite, e eu tinha o nenê de um mês. Fleury falou que estávamos presos e disse para a turma dele: ‘Pega o moleque que a gente vai levar para o juizado de menores’. E eu falei: ‘Não vai!’ Ele botou a mão no revólver e disse: ‘Eu posso usar violência!’. Eu respondi: ‘Pode, mas que que muda? Eu não quero que ele vá! Vocês não toquem no meu filho! No meu filho ninguém põe a mão!”
É o que lembra a jornalista Rose Nogueira, 78, do dia de sua prisão: 4 de novembro de 1969.
“Não sei o que me deu. Era o Fleury falando comigo. Nem tive medo dele. Eu vivo falando que a coisa mais poderosa do mundo é a maternidade”, afirma ela ao TUTAMÉIA.
Na entrevista, gravada em 10 de fevereiro de 2024, Rose fala do trabalho como jornalista durante a ditadura militar, do assassinato de Vladimir Herzog, da censura, da resistência. “A ditadura foi a cultura do ódio, e a gente sentiu diretamente”, declara.
No dia do golpe militar, em primeiro de abril de 1964, Rose, então com 18 anos, estava na praça do Patriarca, no centro de São Paulo, e sentiu um alvoroço. “Todo mundo de radinho de pilha, todo mundo ouvindo. Alguns diziam: ‘O Jango fugiu’. Outros: ‘É primeiro de abril, é mentira!”.
“Nós lá em casa amávamos o Jango, a Maria Teresa. Foi um sofrimento muito grande. Foi mais do que um banho de água fria. Foi uma pancada no coração”.
Como repórter, Rosa acompanhou os festivais da canção, as peças de teatro, a efervescência cultural naquela segunda metade dos anos 1960, antes do AI-5. “Era muito clara a disposição de combater a ditadura através da arte, como eles podiam”.
Depois, na cobertura internacional, testemunhou a ação da censura nas redações. Lembra de quando chegou um aviso de que era proibido citar o nome de dom Helder Câmara, que percorria o Brasil denunciando a ditadura.
“A gente escrevia, então, ‘arcebispo de Olinda e Recife’ e dizia onde ele tinha estado. Tinha um quadro na redação cheio de telex da censura. Antes de fazer uma matéria, precisava olhar lá para saber se era censurado ou não”, diz.
Trabalhando com Vladmir Herzog na TV Cultura, ela fala do choque que foi receber a notícia da morte do jornalista, em 1975. “Eu caí no chão. Não acreditava, não é possível!”.
O assassinato (que a ditadura dizia ter sido um suicídio) mobilizou a sociedade naquele momento. Um grande ato ecumênico foi realizado na catedral da Sé. “Reuniu tanta gente! Era ditadura e ninguém teve medo; foi todo mundo para lá. Aquilo balançou um pouco bastante a ditadura”, afirma.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella e Sérgio Ferro.
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